Chronicles of Dark and Clarity

Thursday, November 06, 2008 | 1 Comments

I
Há quem todos os dias procure um motivo para viver. 
Para se levantar da cama. Para lavar os dentes. Para entrar arrepiado numa roupa vazia.
Para se vestir com os pensamentos e convicções de uma alma inabitada, numa parecença fugídia com aquilo que um dia desejou ser. Para provar com uma convicção biblíca perante todos as suas escolhas. Dizer o quanto é feliz. O quanto "está lá". 
Parece que sei do que falo, mas não faço a mais pálida ideia do que seja. Nunca lá estive. Apenas assisti. Presenciei noutros esse prelúdio de solidão acompanhada como uma enfermeira vigilante que maternalmente adia uma eutanásia intermitente. Mas descobri que apenas se pode ser corpo presente. Que expressão arrepiante: "corpo presente".
Não saberíamos viver assim. Tu e eu. Antes a navalha fria ao pescoço que viver cada dia no desejo latente de que o amanhã não nos apareça.

II
Há quem se levante todos os dias com uma alegria galopante que nos inunda os cantos dos lábios. Há mesmo quem não hesite um segundo que seja quanto ao motivo pelo qual acorda ou deixa de dormir, pelo qual respira e pelo qual vive cada dia. Há quem o faça dia após dia, mês após mês, ano após ano.
Não vivo por ti, há que ser honesta. Vivo por mim. Mas vivo melhor contigo ao meu lado. Porque contigo os dias são melhores. Mais intensos. Mais vividos. Mais duros. Mais felizes. Mais nossos.
É debaixo das tuas roupas que inspiro aquele aroma perfumado que me veste todo o dia durante a tempestade. Aquele pouco de ti que deixas de madrugada nas minhas mãos quando saio e que sorvo discretamente enquanto espero sentada numa qualquer mesa de reunião.
Vivo na convicção férrea de que em algum momento devo ter feito alguma coisa mesmo muito boa. Talvez por ter sido uma boa menina, ou talvez porque nos poucos devaneios que me assolaram a mente ou o corpo soube sempre encontrar-te dentro de mim. Único, avassalador, meu. Insubstituível. 
"Não existem pessoas insubstituíveis", dirás, de olhar travesso e provocador. E responder-te-ei, "Sim há, meu amor, a pessoa que nós formamos juntos. Que é mais que nós." Aqueles que conseguimos ser juntos são diferentes daqueles que seríamos não nos tendo. E esses sim, são insubstituiveis.
Esse é o domínio que apenas a nós pertence. Esse golpe de asa que desferimos juntos ao céu e que arranca pedaços do firmamento na sua velocidade vertiginosa. Esses cristais que se colam à nossa pele na subida e lhe conferem um brilho singular que ninguém consegue perceber de onde vem. Mas nós sabemos. Vem desses voos rasantes aos limites dos nossos domínios. Vem da lucidez plácida dos dias que escolhemos viver. Vem das decisões difíceis da vida partilhada em pleno. Das escolhas do que queremos ter perto e do que queremos distância. Dos dias que não se nos impõem, mas que abraçamos no primeiro pestanejar da manhã, no silencioso roçar de pele que reconhecemos de olhos fechados. No "até logo" apressado da manhã e no "amo-te" demorado de cada noite. Na palavra. E no silêncio. Em nós.

1 comentários:

Anonymous said...

Sei que vou ter de voltar a reler este texto com mais calma e tempo. É de uma força! Foi sempre assim que vos conhecemos, fortes, unidos, amantes.Parece-me que só assim fará sentido amar e viver.
Sei que muitos vivem como descreves no primeiro parágrafo. Assistentes apáticos da vida e de si mesmos. Incapazes de mudar, de aprender, de corrigir. Prendem-se a outros em dependências febris. Sem serem por si mesmos. Substituem o que desejam ser pelo que conseguem mimetizar. Mas nem tudo o que funciona com os outros funciona connosco.
Sei que ainda quero reflectir mais nisto e elaborar uma "resposta" mais digna do teu post.
Mas também sei que apenas se ganha amor por conquista. Por cada dia amado. Em cada decisão mais difícil. É esse caminho a dois que muito tentam saltar, querendo companheiros "instantâneos" á medida dos seus desejos, que nunca irão encontrar. Ou fantasiando o outro com roupagens que não lhe servem, numa tentativa patética de se engarem a si e aos outros.
Enfim, querida amiga e amigo, vou cogitar um pouco mais nisto e depois tentarei escrever um pouco mais, ou para o vosso email ou para aqui.
Adoro este canto da net.
Beijos com saudades
C&M

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