Um ano. Parece-me ser esse o tempo necessário à cicatrização das afecções mais devastadoras do coração.
Um ano. Foi o tempo que precisei para poder dormir sem sonhar com ele, com o primeiro homem que amei na adolescência e que foi levado tão jovem, de repente, num estúpido acidente. Mas os acidentes são todos estúpidos.
Mais três anos para poder voltar a amar com aquela intensidade.
Um ano. Para controlar o gesto automático de bater à porta da minha ama quando subia as escadas, depois desta também nos ter deixado.
Um ano. Para deixar de ouvir a voz dela nas escadas, para não sentir a presença do seu perfume no corredor por onde passava todos os dias, naquele rés-do-chão que me fez tão feliz tantos anos da minha infância.
Um ano. Para perder a fé em qualquer religião, em qualquer ser superior, em qualquer salvador.
Um ano. Para recuperar a fé nos meus punhos, na vontade e numa ética pessoal construída aos solavancos, aos avanços e recuos, arrancado à dúvida constante de qual o caminho.
Um ano.
Para perder um amigo. Para perder um amante. Para perder uma mãe.
Um ano. Para aceitar a perda.
Uns vinte, pelas minhas contas... para algum dia poder falar disso. Escrever sobre isso.
Porque escrever exige tanto de nós. Exige aceitação vivencial e partilha. Mesmo que seja apenas pela nossa própria confrontação com as palavras e com os medos que aqui ficam cristalizados. Que um dia poderemos tirar da gaveta e ler, como quem tira uma foto antiga dos avós quando eram muito novos e se sente de repente tão velho, porque em breve, mas tão brevemente, alguém vai ver também a nossa foto de quando eramos novos e pensar o mesmo.
Um ano. Para conseguir diluir nos dias, nas horas e nos minutos todas as ofensas, as mentiras, as traições, as desilusões. As nossas. As dos outros.
Podemos levar a vida toda a recuperar. Mas um ano é quanto basta para que a alma deixe de sangrar... Quem tiver outra tese sobre isto que me diga. Ficaria muito contente se se pudesse reduzir, como quem reduz as penas dos condenados por bom comportamento. Porque garanto-vos que é o ano mais longo das vossas vidas. Porque o tempo cá dentro passa tão lentamente.
Dão-se mesmo alvíssaras a quem o conseguir.
4 comentários:
Não há palavras para comentar isto. Nem o vou fazer. Fica o meu abraço. :)
1 ano de recuperação equivale a uma lesão grave e mta terapia. Pelo menos em termos "físicos".Com a leveza e boa disposição com k encaras a vida e os momentos difíceis diria k ninguém adivinharia em ti estas lesões ;) Bjokas!
Li algures que o cérebro encara da mesma maneira a dor psicológica e a dor fisica... Algo exterior que agride o nosso corpo, e leva tempo a ser curado. Sangramos da alma como sangramos da pele.
Daí que ache que nem todas as feridas demorem um ano a passar... depende do quanto nos magoam, do quanto gostamos das pessoas que nos ferem ou deixam.
Cabeça erguida :) o corpo tem uma capacidade enorme de cicatrizar.
beijos
Maninha não tenho palavras...a dor psicológica e a dor fisica por vazes é quase semelhante...a psicológica por vezes faz-nos sangrar muito mais da alma do que a dor fisica...por isso maninha depende da forma e de como e quanto gostamos das pessoas que vamos perdendo por esta vida fora, depende de quanto nos ferem ,nos magoam,nos amam,nos doem na alma...o corpo bem como a alma e o nosso cérebro tem uma capacidade enorme de cicatrização.... por vezes sei que pode nao demorar um ano mas sim anos...a passar a dor daqueles que nos deixam... mas maninha força e cabeça sempre bem erguida pois o tempo tudo cura... com ajuda de nós proprios e do carinho dos outros que nos querem bem.... como eu!!!!:) Adoro-te muito.... Mil beijos
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