Cartas para casa II

Thursday, June 28, 2007 | 0 Comments




Minha querida irmã,

Foi há pouco o meu aniversário. Abri e fechei a caixa do correio todas as vezes que fui a casa, apesar de saber que não tens a minha morada, olhei para os dois lados à saída da porta ao almoço na esperança de ser surpreendida por um dragão fantástico e apesar de todos os telefonemas bons e carinhosos que recebi, esperava o teu e essa espera entristecia-me. O dia passou e terminou entornado num e noutro jarro de sangria, mais ensopado em excesso que em alegria sincera.
Ontem chegou o teu presente. Não tinha arestas de volume, nem papel de seda perfeito e suave, não tinha cheiro, nem sabor, nem feitio, pelo menos não da forma como outros o possam entender ou eu explicar. Era singelo, quase como um segredo, uma partilha, uma partilha só possível por quem me conhece bem e é esse perfeite ajuste que exprime e aquece no lugar do teu abraço que quiz tanto.
Ontem corri as ruas, ouvi músicas de longe, provei sabores egipcíos, arabes e algarvios, vi preciosidades de mil cores, latão, tecidos, pratas, nuvens de fumo a percorrer as ruas, luzes envolventes, calçadas irregulares, pinturas pelas ruas, dentro e fora das casas, vi gente de cá e lá, inventei destinos e origens, liguei-te para ouvir a tua voz como se estivesses escostada ao meu ombro, liguei para mais não sei quantos amigos a mostrar a minha prenda e a faze-los ouvir o concerto, cantarolei baixinho, dancei na cadeira, chorei à sucapa entre os muros grossos do castelo e voltei para casa leve, tão leve como se houvesse aqui espaço para mim.

Espero os teus rabiscos na volta do correio,
Chihiro

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