Cartas para casa

Monday, June 04, 2007 | 1 Comments


Olá minha irmã,
hoje sonhei contigo, foi um sonho curto, sonhei que o telefone tocava e eras tu a perguntar como estava foi uma chamadinha curta que terminou com um "gosto de ti", engraçado, como me lembro de ainda dentro do sonho ter pensado que estava a sonhar.
É nestas alturas que sinto mais a tua falta.
Escrevo-te porque sinto saudades, custa estar longe e ter a roupa dentro de uma mala de viagem, como se a vida pudesse ser reduzida àquela pequena mala negra, de pele já puída.
Aqui há coisas belas, como um céu muito muito azul e um mar mesmo ao alcance dos meus pés. Nos últimos dias à hora de almoço fujo até á praia e deixo-me estar sentada e quieta somente a ouvir o mar, deixei de ter tempo ou fome com estas viagens, alimento-me apenas do ar salgado que se entranha na pele e do silêncio, aquele que é feito quando os pensamentos nos inundam.
Escrevo-te, porque escrever-te é igual a comer uma daquelas fatias enormes de pão caseiro que a minha avó partia para o lanche. Tenho pena que não te tivesse conhecido, sei que ia gostar imenso de ti, no outro dia dei comigo a pensar que tens olhos felinos semelhantes aos dela. A vida aqui é pequena e calma e tem muitas horas paradas, as horas assim dão-me urtigária e um pequeno tiquezinho nervoso. Aqui é como se me faltassem os riscos na calçada para ir saltando cuidadosamente os quadrados brancos sem pisar os outros, faltam os ritos, as rotas, as rotinas, do sulco já traçado no chão de perfazer os caminhos.
Se estivesses aqui iamos fazer um piquenique no campo, o meio das papoilas belas, frágeis e etéreas com vestidos vermelhos de tecido leve que insuflasse com a brisa morna e deixasse entrever os joelhos ao sol de junho.
Vou fechar os olhos de mansinho e sonhar que a vida começa amanhã.
Aguardo a tua carta na volta do correio.
beijinhos doces
Chihiro

1 comentários:

Anonymous said...

Olá mana.

Não gosto de responder a cartas difíceis. Mas já me conheces.
A indigência que sentes é constante. Não há nada que acalme a falta que tens. Não se alenta com a presença, com carinho ou com a quantidade de atenção ou afecto que te possam demonstrar.
Construir puzzles com peças que não te pertencem ou às quais não te dás vai sempre dar-te essa sensação de estranheza. A mala que mantens à parte é disso símbolo. Achas que te podes reservar da pertença a outro, como se cada vestido que penduras no seu guarda-fato fosse uma amarra que se fecha em volta dos teus punhos. Então preferes ter tudo nessa mala. Achas que é o que deixas para trás, o capital acumulado que julgas pertencer-te. Em vez de representar o ínicio de algo.
O que construimos a cada momento é o que nos faz em cada dia. E agora és um patchwork confuso, de remendos retirados de outros, sem nada que te identique como algo uno e próprio. Aqueles que realmente te amarem terão que te proporcionar a descoberta de ti mesma. E essa implica o silêncio dos próprios pensamentos e a decisão solitária da escolha. Os sulcos do caminho terão de ser agora traçados por ti ou não conseguirás dar-lhes continuidade quando eles se apagarem e ficar apenas a memória responsável por traçar tudo de novo.
Espero ardentemente que tenhas a clareza de pensamento necessária, aí onde o céu e o mar se tocam com uma claridade ofuscante e que tomes as melhores decisões, sejam elas quais forem.
Com amor,
Mei

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