Os perdidos e achados da vida

Thursday, June 19, 2008 | 1 Comments

before falling a sleep...
Há momentos que nos fazem falta. Uma canção partilhada no duche e que agora se silencia nos pingos solitários que nos percorrem as costas, um cadeado colorido que emparelhava com o nosso no cacifo do lado no ginásio, os almoços feitos de gelados a escorrer pelos dedos que partilhavamos na maior das travessuras, os livros lidos doutras viagens que tornavamos visíveis nas palavras feitas nossas ao entardecer...
Há coisas que se recuperam nessas faltas. Há um amor que se expande nas manhãs a dois pela serra fora, nos passeios de mota quando o ar aquece e nos solta os cabelos irrequietos enquanto me agarro a ti sob o pretexto do frio. Uma disponibilidade que se amplia nas noites enroscados no sofá com um cobertor quentinho, no escurinho do cinema onde damos as mãos em silêncio, nas histórias do dia que contamos pela primeira vez e que deixavamos de contar por já termos partilhado antes com outro alguém. Na cumplicidade que parecia estar a ser tomada de assalto por termos sempre outras pessoas com quem a partilhar no caminho.
Mas nos perdidos e achados da vida há um património que não conseguimos calcular. Não queremos calcular. Nos perdidos e achados da vida há pequenas doçuras esquecidas e há actos dolorosos relembrados todos os dias. Nos perdidos e achados da vida há palavras e há silêncios dos quais já não conseguimos descobrir o trilho ou lembrar em que voo rasante os perdemos.
Há espaços nas prateleiras que não recordavamos o que guardavam até ao momento de soar aquela música ou de sentirmos aquele perfume que num segundo nos transporta a esse momento parado no tempo que amamos, que quisemos, que desejamos que durasse toda a eternidade. Aqueles momentos que julgamos perdidos para sempre saltam da prateleira e dizem-nos: "olá, estamos aqui, para te acalentar a alma e lembrar que nem tudo foi em vão e que aprendeste tanto desde então." Gostamos de saber que nem tudo o que fizemos, amamos, demos foi em vão. Que deve ter valido alguma coisa.
Embora seja demasiado cedo para que consiga perdoar e começar de novo, espero que esse cadeado guardião proteja as melhores recordações para que um dia as possa recuperar no balcão mágico da memória sem restrições de identificação ou de pertença.
E fica esta canção a embalar-me nos corredores do silêncio.

1 comentários:

Viajante said...

Da verdade do amor se meditam
relatos de viagens confissões
e sempre excede a vida
esse segredo que tanto desdém
guarda de ser dito

Pouco importa em quantas derrotas
te lançou
as dores os naufrágios escondidos
com eles aprendeste a navegação
dos oceanos gelados

Não se deve explicar demasiado cedo
atrás das coisas
o seu brilho cresce
sem rumor

Da verdade do amor, José Tolentino Mendonça


O vazio de alguém não é preenchido, não se muda não deixa de ser.
O tempo passa e parece doer menos, a menos que faça qualquer coisa que fazia contigo. E eu fazia tudo contigo. Deixei de ir ao ginásio com a mesma frequência. Ouço apenas o barulho das máquinas a zumbir e a música que passa nos phones sem que me aperceba muito bem qual. Sinto a tua falta no cinema. As pipocas foram pedendo o sabor, até deixar de comer pipocas, até passar a ir muito menos ao cinema e ter mudado de cinema. Deixei de almoçar gelados, não há ninguém a quem pareça razoável almoçar gelados. E o teu sorriso, o teu perfume... Pego em coisas lindas na loja e volto a coloca-las no sítio, faltas-me tu para as mostrar a alguém. Abro e fecho o msn vezes por dia vezes sem conta para ver se estás online. Sorriu quando estás. Penso, ao menos estás aqui... Aconteceram muitas coisas boas pelo meio, a vida não nos deixa parar. Há beleza e amor em partes novas, há tanta coisa a mudar. Contudo faltas-me tu. Falta-me parte de mim. A melhor parte.

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