Talvez por não saber falar da minha dor, chorei
Talvez por não saber o que será o amor, não te beijei
Meu corpo é o teu corpo, tens corpo?...não sei!
o desejo pedeu-se na voz... sei lá eu o que fazer!
Despedir-me de ti? Deixar-te aqui?
Poderei eu algum dia ser feliz?
Eu já não sei se sei o que é sentir
o meu amor será apenas a fingir?
Se por medo de falar, calei,
pensei que se falasse era fácil de perceber.
Talvez por não saber dar o gesto à rua , fechei.
Triste é esta angústia de ter corpo e não lhe caber...
Eu não sei se sei tudo o que pensei.
Escutar quem sou e o que restou de crescer assim...
Eu já não sei se sei o que é sentir
pensei que se escrevesse era fácil esquecer
pensei que se te olhasse era fácil perceber
Quando o amor chega ao fim
pode o não ser igual ao sim?
Andar perdida assim será fácil de entender?...
Eu já não sei se sei o que é sentir
o que queima por dentro, será que te posso despir?
Será que posso esperar que tu sejas capaz de esperar
que posso ser o que não quero ver
será que posso aceitar deitar tudo a perder?
Eu não sei se sei por onde quero ir
e com medo de errar errei, maior que o erro não esperei
para saber que te vou magoar e não parei
Eu já não sei se sei o que é sentir o amor que não sinto sentir.
Se por tentar, tentei, e agora só me apetece fugir.
Ao som de The gift
1 comentários:
USED WORDS
Com palavras usadas,
gastas pelo tempo e pelo hábito,
cujo último tremor já não se sente.
Com palavras, como sonhos, queimadas pela vida,
nesta noite de chuva falo contigo,
tento falar pelo menos, ligeiramente ébrio,
construo cada sílaba no país de jamais.
E sinto essa repentina lucidez
com a qual, de súbito, quebramos a rotina de sermos e de
conhecermo-nos,
sinto, digo, essa estranha sensação, distante e esvaída,
do whisky, da noite e do silêncio,
do entusiasmado desespero com que aceitamos a derrota,
dessa vertigem, às vezes, só às vezes, tua e minha,
em que morremos a sorrir com os olhos abertos.
Sinto o pouco que é um beijo no fundo da tua língua,
ou os teus olhos a olharem-se nos meus,
ou as nossas mãos unidas no ar,
a percorrer um museu de admitidos fracassos.
Desfilam, batalhão desolado de fantasmas,
nomes e nomes com eco diferente.
Pretendemos, com abolidos rostos, prazos caducados,
cidades impossíveis,
responder a uma velha pergunta
cuja resposta só a morte conhece já.
Anos e anos, voluntários exílios de seres e países,
os filhos que não quis ter, os que tu tiveste,
o tremor do desejo que guardas ainda na tua pele,
o meu repetido navegar de cama em cama
reúnem e afirmam o seu destino
diante da cerimónia do amanhecer.
E sabemos tudo e está escrito nos teus olhos,
hoje, contudo, neste dia com sol - tão raro em Bogotá -
de finais de julho, de um ano qualquer,
proponho-te o meu amor, sei que aceitarás,
com palavras usadas, proponho-te mentirmo-nos.
Já passada a noite, quietos diante do espelho,
enquanto faço a barba e tu pintas os lábios,
proponho-te o meu amor, dizer que nos amamos.
Dizer - e são apenas exemplos - «hoje existe a vida para nós»
ou «tu não morrerás nunca»
ou, talvez, «ainda há noites e noites que esperam
os nossos braços, esse especial calor de dormir abraçados».
Esquecendo, tentanto esquecer o nosso passado,
ignorando o futuro, sem dúvida inalcançável,
com palavras gastas, dizer e repetir
- é outro exemplo- «obrigado meu amor por teres existido».
Ao menos por um momento - não incomodamos ninguém -
com palavras usadas mentirmo-nos e mentirmo-nos,
mentirmo-nos contra o tempo, desprezar a sua vitória.
Envio:
Deixo-te este poema
confuso, absurdo, comprido,
para que tu o estendas como um lençol velho
aos pés da tua cama, para que tu o tenhas,
e um dia o encontres, confuso, absurdo, comprido,
num dia como este - quando já não estivermos -,
e recordes, debaixo do duche,
que uma vez te amei - mentiras e mentiras -,
que uma vez te amei - era um dia de julho -,
com palavras usadas, como um disco riscado,
que recordes, meu amor, esta letra de tango.
Autor: Juan Luis Panero
Tradução: Joaquim Manuel Magalhães
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