Escrevo hoje para me recordar, um dia mais tarde, de todos os bons motivos que levaram, neste belo dia de sol lisboeta, a escolher outro país para viver, trabalhar e amar.
A situação actual em Portugal é deprimente. Além do luxo de termos caixas de supermercado licenciados e de ser aconselhável retirar as habilitações académicas do c.v. na hora de procurar emprego, o custo de vida subiu brutalmente e a qualidade de vida tem diminuído a olhos vistos. Chegamos a um ponto em que apenas vivemos para trabalhar. Chegamos a um ponto em que estudar parece não compensar, em que querer ir mais longe é alvo de crítica, em que trabalhar pela excelência gera invejas e inimizades. E eu cheguei ao ponto de não retorno.
Claro que o património humano que construí em Portugal me causa um aperto no coração na hora de sair, mas sejamos honestos: a trabalhar 12 horas por dia, incluindo muitas vezes fins de semana, não resta muito tempo ou energia para viver e desfrutar da companhia de quem gostamos. Assim sendo, tomamos a decisão de procurar melhores condições de vida no resto do mundo! Elementar, caro Watson! Após uma reflexão sobre os países da moda para emigração (Brasil, Angola, EUA, Dubai, etc) consideramos dois países: Austrália e Canadá. Ambos são países com economias prósperas, modernidade, altas taxas de educação populacional, democracia, paz e necessidade de pessoas qualificadas que aí queiram residir e trabalhar. Por outro lado, o espírito destes povos é descontraído, pouco dado a esquemas mafiosos de "quem conhece quem", evoluído, pragmático e com esperança no futuro. Coisa que em Portugal se perdeu.
E sim, precisam de nós. Valorizam o nosso c.v., habilitações e experiência profissional. E isso sabe mesmo bem.
Os maiores bloqueadores de mudança são as crenças. Aprendemos a acreditar que o que é bom era ter um emprego seguro, com contrato, nos quadros. Aprendemos que o risco é mau, que nos pode colocar em maus lençóis. Que não devemos mudar assim de repente. Se não de trabalho quanto mais de país. Se não de país quanto mais de continente. Pois bem, uma notícia para todos: o emprego não é sinónimo de segurança, os contratos existem para serem quebrados por advogados manhosos e estar nos quadros a maioria das vezes é a desculpa perfeita das empresas para não nos permitir evoluir. E quanto à reforma que julgam estar a amealhar nos cofres do Estado, esqueçam-na, é um mito urbano.
O processo que nos permitiu esta reflexão foi uma "ressignificação" das nossas crenças. Foi um exercício de desconstrução das crenças que nos prendiam a certas atitudes e formas de organizar a nossa vida. As crenças são pressuposições, estimativas da realidade, não são a realidade. Porque é que ser mulher, licenciada em Filosofia, com vários anos de experiência profissional em várias áreas, que sabe falar 5 línguas, que é dedicada e profissional não vale nada em Portugal? Porque há a crença comprovada pelos salários de que as mulheres ganham menos, que a Filosofia não serve para nada, que trabalhar em várias áreas é ser salta-pocinhas, falar línguas é vaidade e a dedicação é facilmente ultrapassada pela tendência latina para o compadrio.
A escolha foi a Austrália. Onde ser mulher, com habilitações superiores na área das Ciências Humanas, especificamente em Filosofia, com experiência multifacetada de 15 anos de trabalho,com facilidade em várias línguas não é algo que se retire do currículo. É algo que se valoriza e, segurem-se à cadeira: que se paga! E bem. Onde tudo isto vale mais pontos para conseguir um visto. Onde um Mestrado ou um Doutoramento fazem realmente diferença. Onde estudar e querer saber mais afinal até tem valor.
Por isso, hoje foi o dia em que decidimos mudar o resto das nossas vidas.
Aos amigos e família, desejem-me apenas a sabedoria e a energia para levar a bom porto esta grande aventura. :)