Hoje

Wednesday, June 08, 2011 | 2 Comments

Hoje, não quero falar. Hoje, não posso mudar-te. Por isso emudeço. E mudo. 

Hoje, sei-o: os outros são como são. E tu és como és em cada momento em que vais sendo. Não te posso pedir que mudes, por muitas vezes ou poucas que te peça, tanto faz. Não vais mudar-te naquilo que quero. Se mudares, mudarás apenas para aquilo que quiseres e puderes ser. Não vale de nada ensaiar palavras ou comportamentos, não vale a pena dizer "devias fazer isto ou aquilo" se fazer isto ou aquilo for ser isto e aquilo. 
Hoje, simplesmente, não vai acontecer. O sangue que te corre nas veias terá sempre essa densidade, será sempre o mesmo, mesmo que o tentes drenar e diluir. Mesmo que faças uma transfusão. Mesmo que o desejes com todas as tuas forças.
Hoje queria reverter a rotina. Reverter os dias, as horas, os minutos. Queria fazer rewind como se a vida fosse uma fita de cinema que roda nos dois sentidos. Queria refazer.
Hoje, desapetecem-me as palavras, os carinhos, a subfelicidade. Sinto-me a viver de felicidades pequeninas, de comas sucessivos, suspensos em beijos, em braços, em pedaços de ti, de mim, dos outros. Hoje o futuro parece tão longe, tão inacessível. E eu não me sinto valente.
Hoje, o céu desenha cadáveres cinzentos que me entram pelas narinas e que empurram a minha alma para um lugar recôndito e bafiento. Hoje não quero nada. Mas sei que quero tudo. Que quero demasiado. Que quero desmesuradamente. E sei que esse querer, vulnerável e falível, não cabe dentro de ti, não cabe em nós. Porque nós somos outra coisa.
Hoje consigo sentir a dor a entrar. A invadir todas as células, a tolher os músculos e a ganhar, vitoriosa, a luta. Sei-me de pernas para o ar. E vejo que me caem dos bolsos, por força da gravidade, as convicções que amealhei com tanto carinho e empenho. Se estivesses também de pernas para o ar seria tão mais simples. Poderíamos caminhar sobre o tecto da nossa vida e revirar do avesso os dias. Revolver e voltar a dar.
Hoje queria que lesses nos meus olhos essa angústia porque não consigo falar. Que me abraçasses e que me dissesses que tudo vai correr bem. Que o chão vai voltar a ser chão e não esta massa mortífera que engole o peito do avesso, expondo as veias a céu aberto e espalhando sangue por onde passa. Hoje não quero que me contes os teus problemas mundanos, as guerrilhas do trabalho, as dúvidas e as soluções pragmáticas. Hoje não. Não quero a tua racionalidade. A tua convicção. A tua verdade.
Hoje, só queria que fosses como um papel colorido que, com doçura, envolve em mil camadas protectoras o presente mais frágil, protegendo-me da queda certeira em mil estilhaços. 


2 comentários:

Anonymous said...

Beautiful words.

You know, there is the pain when children's bones are growing.

But when your maind and your Self are growing and changing, there's pain also.

The Dancer

Anonymous said...

Beautiful words.

You know, there is the pain when children's bones are growing.

But when your mind and your Self are growing and changing, there's pain also.

The Dancer

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