Dos prazeres simples

Friday, June 21, 2013 | 0 Comments

Às vezes permito à minha alma sair sorrateira e deixo-a deslizar como uma gata vadia pelas ruas da cidade. É nesses momentos de fugaz liberdade que descubro a beleza crua dos passeios, que escuto os passos apressados, os carros guinchantes que cospem água, ignorando a tranquilidade plácida que me habita. Essa paz anónima, que não trás nada nos bolsos.
Que tem o poder de suspender o ruído do universo para escutar a música das goteiras.
Que desliza por entre os muros e sobe aos miradouros.
Que espreita, incógnita, todo este mundo por inaugurar.
Que não faz barulho. Que só existe.
Abandono-me ao sopro gelado do vento, que invade as narinas como agulhas, corta os lábios e encharca os olhos. Deixo o frio entrar apenas para sentir que tenho pele. Apenas para que o arrepio me relembre que existo.
Não há qualquer angústia ou tristeza nisto.
Há apenas este desprendimento.
Este silêncio.
E ao fundo escuta-se o murmurar distante do frenesim quotidiano.
Toca um piano cá dentro e lá fora o vento ruge. As folhas dançam e os carros rasgam impiedosamente a avenida. Há uma chuva certeira que me ensopa os cabelos e estas mãos que nem parecem ser minhas conduzem-me com suavidade pela estrada abaixo.
Sinto o pulsar brando da árvore à qual me encosto para recuperar o fôlego e deixo-me ali ficar, envolta pelos braços ternos dos seus ramos protectores, saboreando o seu cheiro doce de terra molhada.
Esse cheiro de mãe, de guardiã, de criatura intemporal.
E sei que já viu e abraçou muitas outras almas indigentes como eu.
E sinto-me como estas catatuas brancas que esvoaçam à minha volta.
E sorrio, como elas, a cada passo do caminho.

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Mei and Arawn