Nesta demanda diária de andar de transportes públicos, há uma coisa que me intriga: o que andam os velhotes a fazer às 8:30 da manhã nos autocarros? Porque andam eles, a esta hora da manhã, atulhados em transportes que visivelmente não fazem percursos turisticos, lutando pelos poucos lugares vagos que obviamente lhes são cedidos pelos utilizadores mais cívicos, esses sim em idade produtiva, carregados com computadores portáteis, pastas e demais carregos que o seu dia de trabalho exige? Porque passeiam os velhotes desta forma, fazendo os percursos de autocarros até à paragem final e apanhando outro transporte de seguida onde também só sairão na última paragem, como forma desesperada de matar o tempo?
E claro que os velhotes têm pressa! Estão mais próximos da morte, por isso têm de passar à frente nas filas, têm de correr mal há um lugar vago para acalmarem a dor nas cruzes, têm de refilar e têm de se queixar a alto e bom som do governo, das reformas baixas, da poluição, das dores e de tudo o que a sua lucidez e imaginação permitirem.
Muitas são as freguesias da nossa cidade que dispõem de transporte para os idosos se deslocarem para tratamentos, consultas ou outras coisas que necessitem. Porque não são usados pelos milhares de idosos que todos os dias circulam nos nossos transportes públicos? Porque, basicamente, eles querem passear. Querem aproveitar o tempo que lhes resta a fazer alguma coisa.
Porque se amontoam os velhotes nos jardins e noutros locais, onde a poluição e falta de condições é preemente para as suas necessidades de conforto, quando podiam estar calmamente, na sua aldeia de origem ou em qualquer outro local calmo e aprazível, a passear pela natureza e a gozar com qualidade o tempo que lhes resta?
Se eu não tiver a lucidez de chegar a velhota e mudar-me para um local prazenteiro, tranquilo e muitas vezes bem mais económico que a cidade, obriguem-me, por favor!
Temos uma cidade que em vez de ser o local de morada dos jovens em idade produtiva, de rendas actualizadas e edifícios dignos, é a cidade das rendas miseráveis, dos prédios a cair por falta de dinheiro para a manutenção, tendo a classe activa de viver nos subúrbios e gastar 2h diárias de viagem para poder trabalhar. Temos idosos que em vez de cuidarem dos netos, de aprenderem alguma arte e se sentirem úteis, se sentam surumbaticamente nos bancos de jardim ou entopem os trajectos utilitários de quem precisa de trabalhar para que exista Segurança Social e os demais instrumentos sociais à disposição das faixas mais carenciadas da população.
O desafio não é fácil, mas é possível.
A questão do envelhecimento apresenta-se como um desafio actual para toda a sociedade e em particular, para os seus governantes. Recordo que tal processo exige cada vez mais modificações e actualizações nas políticas públicas para que ultrapassem a esfera da saúde biológica, tendo, portanto que incorporar uma ampla cobertura psicológica, com preocupação também em relação às dimensões sócio-culturais, económicas, urbanas, espaciais, pois são questões pertinentes à contemporaneidade vivida por este segmento etário.
Na reflexão sobre a relação entre o idoso e as políticas públicas inerentes a uma cidade, na qual os mesmos estão inseridos, deve-se considerar a velhice - não somente como um fenómeno biológico que traz em si um entrave na vida do idoso -, pois tal fenómeno também possui uma dimensão existencial a ser considerada, visto que implica uma relação com o outro, uma troca que enriquece a todos.
Mediante um diagnóstico de muitas cidades do nosso país, podemos identificar problemas e propor algumas linhas para uma política pública para idoso na cidade. Entre essas linhas destacam-se: a melhoria da qualidade de vida do idoso; os seus rendimento e o dos seus familiares; o acesso por parte dos idosos a novas tecnologias e alternativas de empregabilidade; a infra-estrutura da cidade e o seu espaço arquitectónico; a assistência aos idosos; a implementação de mais cursos e a formação de profissionais na área gerontológica; a qualidade da educação dispensada aos idosos; o seu acesso à saúde gratuita; a valorização do conhecimento e da cultura da população idosa, a participação da sociedade nas decisões que envolvam as políticas públicas do idoso.
A elaboração de políticas públicas, porém, é apenas o início do processo. Resta saber como essas políticas serão implantadas, ou seja, operacionalizadas e, mais que isso, como elas serão monitorizadas e avaliadas, pois entende-se que o seu objetivo último seja a melhoria da qualidade de vida da população idosa, bem como da restante população no activo, para o exercício pleno da democracia para todos.
3 comentários:
Imagino que não voltem para as suas aldeias de origem porque queiram estar junto da família, e as gerações mais novas estão geralmente na cidade. A qualidade do ar ainda não bate a companhia dos familiares.
O facto de "entupirem" os transportes é de facto chato... mas não me parece razão para os recambiar para a terrinha e acabar lá os ultimos dias...
Olá Teresa,
Sim tem razão no que diz, mas a qualidade de vida nas cidades não está adequada aos nossos idosos. Claro que me parece mais importante dotar as cidades dos mecanismos necessários, como refiro no post, e não recambiá-los para o interior. Essa é apenas uma das soluções possíveis, que vejo como adequada, sobretudo na minha família, onde alguns idosos preferiram optar pelo regresso às suas terras de origem e vivem de forma feliz e equilibrada, onde muitas vezes, têm mais familiares com outra disponibilidade para lhes prestarem o auxílio devido. Mas tem toda a razão. O que precisamos é de políticas públicas e de acções concretas para resolver o problema do envelhecimento da nossa população citadina.
Muito obrigada pela sua participação.
Beijinhos,
Marisa
Não tendo que os recambiar para a terrinha, não precisam de estar no premium real estate. A lei das rendas, que Espanha já resolveu, é uma das migalhas para a nossa sitauação actual. É preciso não ser romântico, sem ser desumano, tirar os idosos do centro e reabilitar os imóveis é absolutamente essencial para a vida das cidades. A transferência para as coroas exteriores das cidades, com condições, gera valor e qualidade. Por exemplo, um "bairro social" com assistência médica e actividades integradoras socialmente em zonas como algés, loures, etc.
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