Cidadania de miséria

Wednesday, July 18, 2007 | 0 Comments

Sou lisboeta por escolha, desde há muitos anos, o que significa que tenho mais amor a Lisboa do que à terra onde nasci: nenhum laço natural me prende a este lugar, apaixonei-me pela cidade e decidi viver dentro dela. Que 62,6 por cento dos habitantes de Lisboa tenham manifestado, através da abstenção, a sua total indiferença pelos destinos da cidade, é algo que me deixa, mais do que desiludida, envergonhada. Trata-se de um gravíssimo sinal de desdém pela democracia. Esta demissão dos cidadãos em relação às suas responsabilidades deveria ser sancionada: quem se está nas tintas para o Governo da cidade deveria perder o direito a candidatar-se a empregos, bolsas ou apoios públicos. Não vejo outra forma de educar as pessoas para a participação cívica, a não ser esta: amor com amor se paga - e a mesma paga é devida, dos políticos que somos todos nós (cidadãos eleitores) aos que desprezam a vida da polis (os cidadãos que nem se incomodam a ir votar). Se nenhum dos 12 candidatos interessava a esta maioria de lisboetas, que o expressassem no voto em branco. Mas não é crível que, entre tantos candidatos e propostas diferentes, os lisboetas abstencionistas não encontrassem um voto à sua medida. Simplesmente, decidiram encostar-se àquele analfabeto lugar-comum dos mimados da democracia, que reza assim: «Os políticos são todos iguais». Esta frase é falsa, injusta e profundamente antidemocrática. Depois não se queixem.
A data das eleições, no meio do Verão, também não ajudou. Não entendo porque é que o tão propagado «choque tecnológico» ainda não criou a possibilidade do voto electrónico. De resto, também não percebo porque é que um cidadão que queira votar, mas esteja, à data das eleições, em serviço no estrangeiro, não o pode fazer antecipadamente, ou num consulado do local onde se encontre. Aconteceu comigo nas eleições municipais de 2005: prontifiquei-me a entregar uma carta do então Instituto Português do Livro e das Bibliotecas informando que estaria a representar o país num evento literário no Brasil, mas a Comissão Nacional de Eleições informou-me de que só os atletas de alta competição tinham direito a voto antecipado, nestas condições. Não percebo porque é que um futebolista ou ginasta conserva o direito ao voto quando se ausenta em representação do país e um escritor ou artista o perde, nas mesmas circunstâncias.
Teria sido, de facto, muito mais sensato manter a Comissão Administrativa em funções até Setembro, e realizar então eleições para um mandato completo. Note-se que esta Comissão Administrativa, de apenas 5 pessoas - presidida por duas mulheres, o que é inédito no Governo Municipal (Marina Ferreira do PSD e Ana Sara Brito do PS) - já resolveu mais problemas em dois meses do que o último executivo camarário em dois anos: desbloqueou obras paradas, estabeleceu protocolos com escolas e associações de pais para possibilitar o bom arranque do ano escolar, acudiu à situação calamitosa que viviam as organizações de apoio aos sem-abrigo da cidade e fez o levantamento total da dívida camarária, e o seu escalonamento. Entre outras coisas.
...
Inês Pedrosa

Um arrastão dos http://principiosdaincerteza.blogspot.com/

...porque a cidadania se tornou escassa e a democracia anda à deriva na boca de uns quantos cidadãos, uns de bem, outros nem tanto. Não se demitam, somos todos responsáveis!

0 comentários:

About

Mei and Arawn