"Num formato de debate em estilo compactado, em que a comunicação não é privilegiada, mas subordinada ao factor tempo, nenhum dos intervenientes sai vencedor. Nem a jornalista, que introduz as perguntas, muitas vezes em sobreposição discursiva, nem os interlocutores, cuja palavra deixa, por vezes, de ser audível, pela mesma sobreposição.
Marcado por um tom crispado e professoral por parte do candidato Cavaco Silva, cujo discurso deixa transparecer um sumário prévio a elencar pontos como a cooperação estratégica; a ameaça da dívida externa; as taxas dos juros; o FMI, a submissão aos mercados externos; as contas públicas; o orçamento do Estado; o Estado social; o trabalho; o desemprego; a saúde pública; a educação, etc, assistimos a uma espécie de aula com moderador.
Começando por um ponto prévio, como quem retoma a matéria anterior por não ter ficado bem aprendida, a palavra surge do primeiro interlocutor Cavaco Silva, como arma de arremesso, acusando Alegre de o ter acusado, pelo menos 50 vezes, de destruir o Estado Social, e exigindo, ao longo do debate, que Alegre demonstrasse uma ilação que ele próprio, Cavaco, tirou: “ele tem que demonstrar hoje aqui…”
Em frases bem marteladas, Cavaco Silva lança os dados para um jogo de verdade e mentira, que não colhe por parte Alegre, pelo que o professor assume a atitude de quem repreende o aluno pela falha cometida, e quantifica: 50 vezes foi atacado pelo suposto pupilo, o mesmo sucedendo em relação à cooperação estratégica, que afirmou desenvolver com os restantes órgãos de soberania. O tom sobe e desdobra-se em explicações, ao destacar a utilização da promulgação.
Utilizando constantemente a defesa como ataque, Cavaco acentua as diferenças entre o seu conceito estratégico e o de M. Alegre, numa semântica a justificar total submissão aos novos credores, detalhando os vários tipos de fundos e aferradores do mundo inteiro a que poderemos vir a recorrer. No entanto, coloca fora de questão bater à porta da Srª Merkel ou do Sr. Sarcozy, já que isso seria uma indignidade para Portugal.
A situação económica do país haveria inevitavelmente de marcar forte presença neste debate, com prólogo e tudo, referindo o empenhamento de Cavaco Silva para que PS e PSD chegassem a um entendimento sobre o orçamento para 2011.
Porque, apesar de tudo, a tensão externa não amainou nem foram atenuados os efeitos da crise, surge a pergunta sacramental, a suscitar uma solução providencial.
Cavaco Silva “volta à carga” com a ideia fixa das acusações de Alegre, e muda de banda ao afirmar a diferença de conceito em relação à actuação no domínio da representação externa, que, como sugere, “não se faz aos gritos na praça pública”, pois não podemos tratar mal aqueles que nos podem vir emprestar dinheiro.
Alegre introduz a diferença, pois entende que o Presidente da República deveria ter feito contactos com os principais líderes europeus, numa tentativa de aliviar a pressão sobre Portugal. E criticou o silêncio do P.R. perante os ataques especulativos dos mercados internacionais, bem como pelo facto de ter sido omisso em relação às correntes liberais que defendem o corte dos direitos sociais.
Retomando o ar professoral, Cavaco volta ao estrado para contrapor com o sucesso da visita a Angola. E entre milhões e biliões de euros e as taxas de juro correspondentes, vai esgrimindo o imperativo de estancar o crescimento do desemprego “ o grande flagelo que atinge 600 mil pessoas e cem mil jovens”.
O FMI, que pelos vistos ninguém chamou, marca presença, com Cavaco a escudar-se na declaração do Governo, que não precisaria de recorrer ao fundo monetário internacional. Até porque Alegre tem o entendimento de que haveremos de ser capazes de resolver os nossos próprios problemas, e de que todos somos responsáveis, incluindo o P.R.
Sem qualquer tipo de pausa, surge tema para nova lição e Cavaco explica o que é a sustentabilidade.
Alegre contrapõe com uma visão mais aberta e progressista, defendendo que “o combate à crise é também um combate político”, e que é preciso dar esperança e dar confiança aos portugueses (… criar uma nova energia (…. ) Uma nova perspectiva de desenvolvimento, lutar por um novo modelo de desenvolvimento para o nosso país e ajudar as diferentes forças políticas a encontrar as soluções, e ser um mediador político e um mediador social.”
Várias foram as diferenças de actuação apontadas por parte dos candidatos. Logo ao começo, Alegre rejeita o silêncio do P.R. em torno da humilhante intervenção do presidente checo sobre a situação económica de Portugal.
Também na deslocação à Madeira, o pretexto de a oposição ser formada por um “bando de loucos”, a servir de justificação para que o Presidente do Governo Regional não fizesse uma reunião no Parlamento Regional, não colheu por parte de Alegre, que muito menos aprovou que o P.R. tivesse recebido os partidos políticos num quarto de hotel.
O factor trabalho não escapa uma vez mais a visões diferentes: Cavaco mais conservador, Alegre mais crítico e mais aberto, questiona o adversário sobre a intenção de se reduzir salários ou aumentar os despedimentos.
O caso das escutas, em que Belém estaria a ser vigiada pelo Governo, voltou à liça, remetendo Cavaco, uma vez mais, o pupilo “distraído” para o seu site explicativo, onde estaria a necessária informação. Alegre contrapôs, por não ter havido desmentido e o principal interveniente ter sido desculpado.
Cavaco Silva “confunde insulto com crítica política”, e lida mal com a promulgação de leis com as quais não está de acordo. Alegre entende que as leis promulgadas, como a interrupção voluntária da gravidez, procriação medicamente assistida, Lei do divórcio, a Lei da paridade e o casamento entre pessoas do mesmo sexo são “progressos civilizacionais”.
O caso BPN suscita novo confronto. Cavaco defende que poderia ter sido encontrada uma solução, dando o exemplo inglês. Alegre não aceita que haja promiscuidade entre negócios e política e não admite que se continue a injectar dinheiro naquele banco. Cavaco acusa Alegre de fazer acusações e intrigas, Alegre contrapõe com factos, uma vez que Cavaco era accionista da SLN, patroa do BPN, e detentor de alguma parcela de responsabilidade.
Mas há mais. Cavaco manifesta a sua solidariedade para com os pobres, apoiando as instituições no combate à pobreza e afirmando não poder faltar dinheiro para a emergência social.
Enquanto que Alegre entende ter havido um aproveitamento político da situação da pobreza, que considera ser um problema estrutural, e mais do que um problema social, ser um problema económico, que remete para a função social do Estado.
Sobre o Serviço Nacional de Saúde, ambos consideram ser um direito inalienável, mas enquanto que Cavaco defende uma posição que diz ser “muito clara”, pois “todos os portugueses, qualquer que seja o seu rendimento devem ter acesso a serviços de saúde de qualidade”, e “apoio na protecção à doença”, não especifica em que moldes podem os portugueses beneficiar desse direito.
Alegre, referindo António Arnault, interpõe o princípio da universalidade e gratuitidade do serviço nacional de saúde, recusando que quem tem dinheiro pode pagar e quem não o tem não possa vir a beneficiar do mesmo direito.
Finalmente, surge a questão da governabilidade. A condição para a dissolução do governo é uma condição extraordinária, segundo Cavaco Silva, que afirmou ter este Governo condições para governar, pois “até tem um orçamento aprovado.”
Já Alegre afirmou não se candidatar para defender qualquer governo, pelo que o PR deverá analisar, em cada momento, as circunstâncias de governabilidade, afirmando que este governo tem condições para governar. E remata: “ Em democracia, não há vencedores antecipados.”
Para finalizar, Cavaco Silva dirige-se aos portugueses, apelando ao voto baseado na sua experiência e confiança. Enquanto que Manuel Alegre reforça a necessidade de podermos dispor de uma Justiça que funcione de forma célere, sugerindo uma espécie de “Estados Gerais da Justiça”, onde os participantes tivessem oportunidade de fazer uma reflexão profunda sobre o assunto.
Para finalizar o debate, Cavaco dirige-se aos portugueses, às mulheres aos jovens, ciente de que Portugal atravessa um momento muito difícil, afirmando ser conhecedor das dificuldades, e não ser este um tempo para fazer experiências nem fazer do país cobaia. Assumindo ser um exemplo de rigor, seriedade e trabalho “nunca se exigiu ao Presidente da República que tivesse tanto conhecimento das dificuldades”. Declara, igualmente, ser conhecedor das capacidades dos portugueses e da sua energia. Fazendo ainda um apelo à coragem e à esperança. E termina, dizendo acreditar em Portugal e apelando ao voto dos portugueses.
Manuel Alegre afirma, igualmente, conhecer as forças conservadoras instaladas, apoiadas pelos grandes interesses, que aproveitam a crise e a situação europeia para promover uma agenda que pretende esvaziar o conteúdo social da Constituição, a mesma que há-de ser jurada pelo próximo Presidente da República.
Sem equívocos, afirma que ou se é por ou se é contra o Estado Social, a Escola Pública, os Serviços Públicos, o Serviço Nacional de Saúde.
Dirigindo-se ao povo da esquerda, a todos os democratas, àqueles que se reclamam da doutrina social da Igreja, apela à resistência à abstenção, apoiando-se na esperança “É preciso ter esperança, mas a esperança cria-se”.
Afirma ainda ser a sua candidatura a que dá mais garantias de um Portugal com mais tolerância e mais justiça social."
Maria Amélia Campos