O último Rei da Escócia

Wednesday, February 28, 2007 | 0 Comments

Idi Amin foi um dos mais sanguinários ditadores africanos. De 1971 a 79 estima-se que terá sido responsável pela morte de 300 mil compatriotas no Uganda. Excêntrico e megalómano, Amin transformou-se aos olhos do mundo numa caricatura de si mesmo. Entre os caprichos delirantes da sua governação contam-se a expulsão dos 50 mil indianos do país, por inspiração divina, os planos de invasão dos vizinhos Quénia e Tanzânia e, talvez o dado mais cómico e irónico, o título de rei da Escócia que se ‘auto-concedeu’, por admiração à região britânica e desafio ao antigo colonizador, o Reino Unido. Esta personagem complexa, multifacetada e brutal encaixa numa história real, com um misto de ficção, do ditador ugandês, que morreu no exílio saudita, em 2003, rodeado das 4 mulheres e 45 filhos. “O Último Rei da Escócia” é a adaptação do romance homónimo do escritor britânico Giles Foden.

Mas uma das coisas que mais me tocou no filme, ou melhor que mais me deu que pensar nem foi o problema humanitário resultante de um governo trucidante foi a personagem que ombreia com o ditador, o seu médico. Um jovem alegre, bem disposto, apaixonado, aventureiro e bonito. Um jovem que viaja para um país africano por puro capricho, é verdade que o enquadramento o coloca numa família rígida e claustrofóbica, contudo a solução encontrada foi a fuga para a frente e não a resolução do problema. O que leva o jovem Nicholas a África não é nenhuma escolha racional ou empenhada para com uma causa. Depois de chegar e de integrar uma missão. Após o primeiro impacto da gente subnutrida, doente e carente, Nicholas interessa-se pela mulher do médico seu amigo e deixa-se inflamar pelo discurso do novo líder político. O filme flui e nós vemos a sua alegria ao integrar a lista de “escolhidos” do novo regime. Nicholas torna-se assim braço direito do ditactor sem sequer perceber o que isso implica, ofuscado por um estilo de vida pomposo e aparentemente notável. A importância e aparente notoriedade/poder alimentam o ego e o deslumbramento e Nicholas vai-se enleando cada vez mais nas malhas do ditador calculista, acabando por se apaixonar e ter um caso com a mulher deste. No fim, depois de muitas peripécias, já no limiar da sobrevivência, Nicholas consegue escapar com a ajuda de um amigo, que acaba por morrer para que ele volte seguro para casa. Não há nenhum motivo para que tal aconteça, Nicholas é narcisista, egoísta e movido por paixões, o seu ar de rapazote traquina, a sua alegria quase pueril são leves e envolventes, camuflando uma pessoa sem objectivos, sem força ética e movida por paixões e deslumbramento e por isso caminhando sempre atrás do mais reluzente aceno sem se questionar. Todos os que o rodeiam ao longo do seu percurso tanto na missão humanitária, como depois no hospital do presidente eram pessoas integras, mesmo os pais no seu conservadorismo. É curioso como somos complacentes com certas falhas éticas que parecem apenas pormenores, Spinoza tem razão quando diz que as paixões nos prendem e nos aprisionam, eu diria mais, cegam e toldam o sentido de importância das coisas. São perigosas e perniciosas e fazem com que sejamos entes passivos da sua própria voluptuosidade. Os afectos bem como a beleza devem ser construções racionalizais, com conteúdo e sobretudo centrada em nós e não em qualquer circunstancia efémera e exterior e por isso tão fácil de imputar a responsabilidade que é apenas e exclusivamente de quem age. Eu sei que este caminho é tentador, já o fiz. Já errei ofuscada por simulacros e encantamento (misto de adrenalina e êxtase) - ópio dos sentidos, maçã envenenada da alma.

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