“Ana de Peñalosa não amava os livros: amava a fonte de energia visível que eles constituem quando descobria imagens e imagens na sucessão das descrições e dos conceitos”.
Maria Gabriela Llansol, O Livro das Comunidades, p. 75.

A escritora Maria Gabriela Llansol morreu hoje, dia 3 de Março, aos 76 anos de idade. Estreou-se em 1962 com um livro de contos, "Os Pregos na Erva" e em 1965 foi viver para a Bélgica onde se entregou a uma experiência colectiva e comunitária de ensino de crianças que haveria de se tornar uma matéria importante da sua obra. Essa experiência está na génese de uma trilogia fundamental, a "Geografia dos Rebeldes", cujo primeiro título, publicado em 1977, é "O Livro das Comunidades". Este romance inaugura uma outra fase da obra da escritora que irá desenvolver-se em mais de uma dezena de títulos que constituem uma experiência literária radical, inovadora e sem concessões a qualquer facilidade. Uma experiência literária que decorre de uma experiência do mundo, onde impera o júbilo da vida e o amor pelos seres.
A escrita de Maria Gabriela Llansol não se parece a mais nenhuma, até ao ponto em que adquiriu um carácter quase idiomático, reclamando do leitor um enorme investimento e cumplicidade. Manteve-se sempre afastada da mundanidade e viveu numa entrega total aos seus textos e ao mundo - dos amigos, dos animais, da realidade filtrada pelo seu olhar essencialista - de que eles faziam parte. Neste caso, a pessoa e a obra coexistiram em total sintonia, num misterioso prolongamento uma da outra, o que constitui um enorme desafio para os eventuais biógrafos. Este aspecto torna ainda mais obrigatória a referência Fernando Pessoa, figura que atravessa muitos dos livros de Maria Gabriela Llansol, numa afinidade literária e existencial de grande alcance.
Foi autora de poucos leitores dada a sua complexidade que recobre toda a sua obra, contribuindo para uma resistência, por parte dos leitores. De uma forma aparente e muito superficial, podem tomar-se os seus textos como um exemplo de aleatório e, mesmo, de um absurdo. Mas, à medida que se penetra a estranha e complexa mundivisão llansoliana, é fácil, ainda, incorrer no risco de a tomar como um ‘estilo’ ou um ‘modelo’ aplicável em todas as circunstâncias. Por essa razão, só a concentração e a atenção ao desenvolvimento da sua obra e da transversalidade dos temas e figuras, conceitos que a percorrem, permitem levar a cabo uma circunscrição dos pontos que configuram a sua escrita como a apresentação, em si, não apenas do mundo, como de um método, cujas directrizes são esquivas, mas passíveis de serem vislumbradas. E, sobretudo, a convicção de que a sua obra é de uma riqueza inesgotável e ocupa um lugar cimeiro na literatura portuguesa do século XX.

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