Olhar(es)

Monday, February 12, 2007 | 1 Comments

Convidaste-me para ir ver um filme. A tua mensagem era curta e quase incompreensível para outros, mas simples de entender entre nós: “Pipocar às 21h?”
Acabei a tradução que estava a fazer, The Testament, de Eric Van Lustbader, obra que opõe duas sociedades secretas, a Ordem Gnostic Observatines e os Cavaleiros de St. Clement e, feliz por dar o trabalho por terminado aninhei-me no sofá mais um bocadinho. O Miguel estudava para um exame do mestrado e eu tinha no colo a nossa pequena felina, que dormia profundamente. A sala estava quente e confortável e apenas a tua companhia me conseguiria arrancar daquele morno refúgio nesta noite chuvosa e fria.
Saí para a rua ao teu chamamento. Entrei no carro arrepiada. Perdi um botão ao entrar no carro. Paciência. Deixa lá.
Chegamos ao cinema, bebemos um chá e entrámos...























A história era simples. Um homem apaixonado fora traído. Pior, ficara perdido e desencantado. Uma comédia quase noir à maneira woodiana, mas na visão argentina de Juan Taratuto. A grande revelação é Javier, o homem abandonado. Na sua pele um fantástico Diego Peretti, que não conhecia mas que ficará retido na minha memória depois de ontem. Rimo-nos daquele sofrimento tão duro, tão vazio. Tão desalentado. E depois sorrimos perante a reconstrução lenta da auto-estima, a caminhada da angústia para a dor, da dor para a tristeza e da tristeza para o perdão. Detivemo-nos no momento mais feliz do filme e ficamos mudas. Mudas pelo crescimento que aquele momento significava. No Sos Vos, Soy Yo é uma história sobre a procura de um homem por si mesmo, num momento em que o “eu” já não se reconhece a si mesmo sem o outro. A caminhada é solitária, por muito que os amigos o acarinhem e ouçam até à exaustão, por muito que o seu psicólogo o aconselhe, por muitas mensagens que deixe a todas as mulheres que alguma vez conheceu. A descoberta, quase um lugar comum, de que a vida é a força dos nossos punhos materializada em cada dia mas tão difícil de levar a cabo todos os dias.
"Não sabemos como procurar, nem onde encontrar, nem afinal sabemos o que procurar. Somos assim, tão perdidos, que nos agarramos sem sequer poder tocar" (Viver todos os dias cansa, Pedro Paixão, p.65).
A inversão do riso em silêncio é como a inversão dos olhares que partilhamos sobre o mundo.
Os olhares de pálpebras cerradas, que saem do nosso avesso para encher de significado as coisas.
Obrigada por este bocadinho.

1 comentários:

Anonymous said...

Ela era diferente das outras e Eva sempre lhe reconhecera essa anacronia, reconheciam-se até nas coisas mais simples, naquelas a que os outros facilmente desatentariam por nem coisas lhes parecer. Falavam muitas vezes de filosofia e ética, Eva reflectir sobre o que lhe despertava indignação e surpresa, ela acompanhava-a animada, de face rosada, às vezes de olhar perdido noutro ponto qualquer. Muitas vezes nem se olhavam durante a conversa, tinham aprendido a reconhecer-se pelos tom, pelos gestos captados difusamente na visão periférica.
Eva pensava muitas vezes nela como uma extensão de si, não uma extensão que anulasse as duas existências, mas uma extensão que as duas potenciava, como se houvesse um guindaste forte de aço a ergue-las por detrás daquelas cumplicidade tão desusada já. Tinham aprendido a medir-se e a saber-se muito para além da fronteira dos outros, num jogo silencioso de conquista, daqueles semelhante às conquistas dos fortes baluartes. Conheciam-se no sargaço monótono do dia e na vibração robusta da festa, no corpo e no pensamento até onde ele alcança de vulgar e de profundo. Eram olhares transversais que ancoram mutuamente os seus mundos oscilantes no propósito de superação do futuro a que se propunham.

Pag.X, Livro de Eva

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