Andei dias e dias a retrair esta vontade visceral de falar disto. Não falei. Segurei-me. Achei que as coisas têm a importância que lhes damos. Enganei-me. Até hoje. E segurem-se que estou mesmo mesmo mesmo muito chateada.
Eu nem sequer segui a votação, não assisti tão pouco ao programa que elegeu O maior português. Nunca entendi sequer muito bem o motivo deste "concurso". Talvez por ausência de humor "tuga" ou por faltar aquela cova no sofá que segura os incautos em frente da caixinha mágica. Mas desta foi demais: hoje pela manhãzinha, uns senhores do PNR fizeram uma manifestação no Marquês de Pombal contra a imigração, convidando aqueles que escolheram o nosso país à procura de uma vida melhor se fizessem à estrada e tivessem uma "boa viagem".
E esta foi a gota de água. Saltou-me a tampa logo de manhã, logo a seguir à reflexão matinal do sentido da vida, onde pára a escova de dentes e porque tenho sempre pêlos de gata nos casacos antes de sair. Tinha eu saído da minha caixa (ler "casa"), ligado a caixinha (ler "carro") que me conduz a uma outra um pouco maior onde passo o dia (ler "empresa") e sou assolada violentamente e sem qualquer pré-aviso por esta notícia. Já não bastava o outro susto d'O maior português, o qual simbolizou que além de considerarmos com maior prestígio e valor aqueles que já bateram a bota, se fizeram reis em terra de cegos e amordaçaram durante décadas todo um povo (a prova viva disso é esta eleição, ironia das ironias, de um homem que nunca foi democraticamente eleito); como se isso não bastasse, dizia, batem-nos à porta do vidro solarengo e matinal com este bofetão xenófobo e racista, profundamente arreigado a uma tese de nacionalismo fechado e que se auto-exclui negando o contributo inquestionável dos milhares de imigrantes que todos os dias trabalham ao nosso lado na construção de um país mais competitivo, mais tolerante e moderno.

Como neste estaminé quem manda sou eu e a minha colega de descidas de trenó, Chihiro, o Maior Português daquela lista dos Top 10 é Aristides de Sousa Mendes. Mas se calhar, não é uma coisa muito nacionalista não acatar ordeira e cobardemente ordens dos superiores e possuir a abnegação de ajudar aqueles que, judeus ou não, lhe batiam à porta, a maioria estrangeiros, mas com certeza tão merecedores de viver em segurança e com dignidade como qualquer "tuga" que se preze. Este por mim ganhou, não por ser um homem de causas ou de feitos, mas por ser uma boa pessoa, corajoso nos seus valores e consciência.

Disse.

6 comentários:

Anonymous said...

Dos outros 90, também reza a história, 3 nomes de relevo:
- Manuel Sobrinho Simões
É um dos mais promissores cientistas portugueses. Dirige o Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto instituição de excelência em investigação científica, ensino e divulgação científico-cultural. Destacou-se pela investigação dos cancros da tiróide e do estômago. Pós-doutorado no Instituto de Cancro da Noruega, faz consultoria em diagnóstico para dezenas de hospitais da Europa, dos EUA e do Brasil. Recebeu, entre outras distinções, o Prémio Bordalo, em 1996, e o Prémio Pessoa, em 2002.


- Catarina Eufémia reivindicava pão e melhores salários quando foi assassinada em terras de Baleizão pelas forças do regime salazarista. Viviam-se tempos difíceis no Alentejo. Com condições de vida precárias, os camponeses saíram à rua para protestar. Catarina Eufémia - que se supõe ter sido militante comunista - liderava o movimento. Era o símbolo da dedicação aos ideais, como a justiça e a igualdade.

- António Damásio é um cientista de renome internacional. Especialista nos mecanismos de funcionamento do cérebro e pioneiro na investigação sobre a inteligência emocional, através de técnicas de imagem, demonstra em cada passo da sua carreira toda a sua inteligência. Com contínuo trabalho de divulgação, tem contribuído para o melhor conhecimento das neurociências pelo público. Damásio acredita que ensinar é simplificar. “Dentre o actual espírito científico no mundo, António Damásio é um pensamento novo.

Anonymous said...

Eu pessoalmente escolheria outro nome mais ligado aos grandes feitos, ao tempo em que mudávamos a imagem que o mundo (pelo menos o nosso) tinha de si próprio. No entanto, apoio a escolha por um motivo simbólico: finalmente um português que ao contrário de tantos outros que ignorantemente exilaram os judeus (para depois se comprovar a dimensão histórica da borrada) decidiu fazer algo por eles. Não mudou a história nem influenciou o presente de forma significativa, mas pelo menos marcou pela diferença.

Anonymous said...

eu nao concordo ctg linda, pk o aristedes teve uma atitude de coragem sentado a uma secretaria, nao é dificil, dificil é um bombeiro entrar no meio das chamas e salvar uma criança, dificil é um anonimo atirar se ao mar para salvar um desconhecido... o grande portugues é o povo portugues que tanto sofre com estes iluminados. paulo

Unknown said...

Sentado a uma secretária ou não ele estava numa posição confortável para ser indiferente e arriscou a sua liberdade por uma causa. Nem sempre os actos heróicos têm de ser de acção directa e esponânea, a verdade é que o impeto para salvar alguém é natural e o risco calculado para salvar centenas de vidas implica a consciência efectiva do mesmo.

Unknown said...

Vou contar um bocadinho da história deste homem, talvez assim o Paulo perceba melhor de quem estamos a falar. Este era um homem vulgar, de 50 anos, 12 filhos. Com todas as preocupações comuns de um homem de família e que nunca tinha desobedecido ao sistema facista. E no entanto, no séc. XX português não há outra figura que tenha mudado tanto - objectiva e materialmente - a vida de milhares pessoas.
Os jardins do Consulado e as ruas vizinhas serviam de local de acampamento a milhares de pessoas, das mais variadas nacionalidades, sobretudo judeus, que fogem da perseguição nazi, mas também gente que foge somente da guerra.

Com a proibição de Salazar de se passarem vistos a refugiados, sobretudo a "israelitas", Aristides passa (com dois dos seus filhos mais velhos) milhares e milhares de vistos àqueles fugitivos, entre os dias 17 e 19 de Junho de 1940. Terão sido passados cerca de 30 mil, nesses escassos dias. "Concede vistos sem olhar a nacionalidades, etnias ou religiões. Graças a ele, Portugal ficou na história como um país que apoiou os refugiados durante a II Guerra Mundial", lembra a historiadora Irene Pimentel.

No dia 24 de Junho recebe um telegrama de Salazar ordenando-lhe o regresso imediato a Lisboa. "Enfrentou a ira de Salazar, que não podia permitir que um diplomata desobedecesse às suas ordens", relata Irene Pimentel. Após 32 anos de serviço, Aristides de Sousa Mendes (com uma família de 12 filhos) é demitido compulsivamente sem direito a qualquer reforma ou indemnização. Além disto, é interditado de exercer advocacia e os filhos de frequentarem a universidade. O irmão também é demitido do serviço diplomático. A sua vida estilhaça-se por completo: desmorona-se em prol de um ideal.

Alberga muitas famílias de refugiados, hipotecando para o efeito todo o recheio da sua casa. Já na miséria, é auxiliado pela Comunidade Israelita de Lisboa a partir de 1941, sendo muitos dos seus filhos chamados por aqueles que haviam sido salvos, sobretudo a partir dos Estados Unidos e do Canadá.

Em 1945, terminada a Guerra, tendo feito uma exposição para tentativa de reapreciação do seu processo, não recebe resposta. A situação de miséria agrava-se. Em 3 de Abril de 1954 morre, no Hospital da Ordem Terceira, em Lisboa, desonrado e sozinho (os filhos já tinham todos emigrado para a América), acompanhado apenas por uma sobrinha.

Não sei em que é que estes actos são menos abnegados do que os de um bombeiro ou de um nadador salvador. Este homem salvou desconhecidos, aos milhares, da morte certa, usando os meios ao seu dispôr e arriscando tudo o que tinha na vida. Se isto não é ser um exemplo para todos nós, não sei o que isso será.
Marisa.

Anonymous said...

marisa, como sempre concordo ctg, Aristides foi um grande Portugues um dos que me orgulho. Como os nomes de Manuel Sobrinho Simoes, Catarina Eufemia (atençao Cunhal lutou pelos mesmas coisas, tb com muito sofrimento pessoal incluindo 8 anos em isolamento), e Antonio Damasio que tem uma ideia engraçada para o tal "impeto de salvar". Mas quis apenas dizer algo diferente, dar valor ao colectivo e aos milhares de portugueses que ao longo da nossa historia fizeram coisas fantasticas.
Paulo

ja agora eu para grande portugues votava no Chalana :)

ps: se nao se tivesse falado dos tipos do PNR so as pessoas que passam no marques viam o cartaz, assim todo o pais o viu.

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