Após algumas tentativas falhadas para instauração do regime republicano, este tornou-se uma realidade na manhã de 5 de Outubro de 1910, há precisamente 97 anos. Indissociável da implantação do novo regime é o nome do algarvio José Mendes Cabeçadas Júnior, ilustre louletano, então 2º Tenente da Marinha. Na madrugada de 4 de Outubro de 1910, Mendes Cabeçadas assumiu o comando do cruzador Adamastor e disparou os primeiros tiros da República. Coube também a um outro algarvio, artilheiro no Adamastor, o messinense Joaquim Primo António, bombardear o Palácio das Necessidades, onde, entretanto, o rei se refugiara, fazendo cair o pavilhão real ao 3º tiro. Poucas horas depois, a revolução estava consumada.
Em todo o país, as estruturas do Partido Republicano Português (PRP) eram uma realidade, já antes do 5 de Outubro. No caso concreto do Algarve, existia uma comissão distrital em Faro e comissões municipais na maioria dos concelhos. Os concelhos onde o PRP não conseguira estabelecer-se eram os de Castro Marim, Vila Real de Santo António, Aljezur, Vila do Bispo e Monchique, ou seja as áreas mais atrasadas da região, quer nos aspectos demográfico, económico e cultural, quer no político. Já nas eleições administrativas de 1908, o PRP havia conseguido a totalidade dos mandatos da Câmara Municipal de Lagos, que passou a dirigir, e obteve ainda representação na vereação da de Silves. Os grandes líderes do Partido Republicano deslocavam-se também com frequência à região algarvia, a fim de proferirem conferências nas colectividades existentes. Estas iniciativas tinham o apoio das elites locais, espalhadas um pouco por toda a região, nomeadamente Manuel Teixeira Gomes, em Portimão, Paes Pinto, Estêvão Vasconcelos, Tomás Cabreira ou Gonçalves Azevedo, entre outros.As principais alterações provocadas pelo novo regime pressupunham a consumação de uma profunda revolução cultural. Esta era apoiada na construção de um estado laico, no emergir de um homem novo e na ciência, considerada a força libertadora da escuridão e da cultura opressora da Igreja, onde o homem vivia sem consciência da liberdade. A República foi próspera na promulgação de um vasto conjunto de legislação e na alteração dos elementos basilares da própria sociedade em si.
A Lei da Separação do Estado da Igreja e a Lei do Ensino Infantil, Primário e Normal foram as que maior impacto produziram na sociedade de então. O Estado Laico exigia retirar Deus da Constituição, de todas as Instituições Públicas e do Ensino. Cessaram os juramentos sobre os Evangelhos, o chefe de Estado deixou de ser um representante de Deus na Terra, os bens da Igreja foram nacionalizados, o Estado assumiu a responsabilidade do Registo Civil dos cidadãos. Quanto à Instrução Pública, o Homem Novo seria moldado na Escola, esta instituição não se limitaria a ensinar a ler e a escrever, mas também a incutir nos jovens valores éticos, como o patriotismo e o amor ao trabalho. Também os professores primários seriam como que transformados nos padres laicos, adquirindo grande protagonismo na sociedade republicana. Para os republicanos, o «espaço público» constituía um excelente palco para a participação e emissão de mensagens políticas. Por isso, era necessário libertá-lo das procissões, dos símbolos religiosos nos edifícios públicos, bem como do controlo político-administrativo do sino. Privilegiavam-se as manifestações socializantes, de participação colectiva, capazes de atrair o público, como comemorações, homenagens, comícios, funerais civis, romagens, a Festa da Árvore, o 1º de Maio, actividades desportivas (o então jogo da bola, por exemplo) e manifestações musicais (grupos corais, tunas académicas). O próprio calendário foi republicanizado, sendo extintos os feriados religiosos e criados outros de intenção cívica: o 1º de Janeiro consagrado à Fraternidade Universal, 31 de Janeiro aos percursores e Mártires da República, 5 de Outubro aos Heróis da República, 1º de Dezembro à Independência de Portugal e 25 de Dezembro, consagrado à família. Foi igualmente abolida de todos os documentos oficiais a frase que seguia as datas «do nascimento do Nosso Senhor Jesus Cristo». O Governo da República legislou também os direitos dos trabalhadores por conta de outrem. Foram consagrados dois princípios fundamentais, o direito a um horário de trabalho previamente estabelecido e o direito ao descanso semanal, competindo às autarquias elaborar o respectivo «Regulamento», em conformidade com as especificidades de cada local.Dada a intranquilidade que se vivia com a implantação da República, uma vez que o poder caíra na rua, foi criada, a 3 de Maio de 1911, por Decreto, a Guarda Nacional Republicana e com ela estava à partida resolvido o problema da segurança.A República trouxe também novos símbolos nacionais. A Portuguesa de Alfredo Keil, proibida desde a efémera República do Porto, proclamada a 31 de Janeiro de 1891, foi adoptada como Hino Nacional em 1911. O real, a moeda até então utilizada, foi substituído pelo escudo, equivalente a 1000 réis. Uma nova bandeira bicolor – vermelha e verde - foi instituída por Decreto-Lei de 19/06/1911.A República teria contudo uma existência atribulada, os republicanos, que se mantiveram unidos nos últimos anos da Monarquia, não conservaram a mesma coesão durante os 16 anos da Primeira República, mas tal não se vislumbrava a 5 de Outubro de 1910, data em que o Algarve recebia a República em festa, mas também com apreensão.

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