Há pequenos cortes que fazemos quase sem dar conta, num qualquer pedaço de vidro perdido num sofá, numa folha de papel que dobramos de repente, num qualquer roçar distraído numa parede mais rugosa.
Chegamos-lhes os lábios, curadores, e ainda assim ardem.
Chegamos-lhes os lábios, curadores, e ainda assim ardem.
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Há o ardor que nos anuncia do corte, mas que nem sabemos bem porquê nem de onde vem, mas do qual temos a certeza da existência pois dói e arde e incomoda de cada vez que alguma coisa lá toca. Há golpes dos quais adivinhamos a iminência, no desconforto, na falta de atenção ao pormenor, na atitude repetida, numa palavra mais dura ou num gélido ignorar das nossas necessidades. Estes cortes que não se veêm, que parecem quase-nada, que nem sequer sangram para fora, não nos deixam dormir, revolvem-nos na cama, obrigam-nos a ter tiques nervosos miudinhos e não nos abandonam, não passam. Simplesmente não se curam. São como espinhos finos cravados na pele e que tentamos retirar com pinças... e perguntamos: "consegues vê-lo, sei que está aí, pois sinto-o a morder-me a pele".
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