Superficialis profundis

Wednesday, November 12, 2008 | 1 Comments

Atrever-se-ia a dizer de uma pintura arrebatadora que é superficial? E de uma escultura que nos torce o corpo de arrepio? Então porquê dizê-lo de uma música ou de uma fotografia que nos toque de igual forma? Porque as palavras são mais importantes? Mais sinceras? Mais reais?...
Não me parece. As palavras são janelas que abrimos para explorar o mundo. Servem para dizer o mundo mas também para o fazer. Ou distorcer. Da mesma forma que uma pincelada é forte ou meiga numa tela, ou uma fotografia capta um momento de delicadeza e felicidade como a escolhida acima ou pode mostrar a angústia e a dor de mil vidas. O suporte em que o fazemos tem também mais nobreza do que outros? Simplesmente por ser uma ferramenta online um blog perde legitimidade e ganha em superficialidade em relação ao recolhimento do papel? Porque as palavras que recolhemos só para nós são mais intensas ou dignas que aquelas que podemos partilhar com outros...? Ando a matutar há umas horitas nisto. 
Não será o que nos chega à pele e que expomos sem reservas e defesas injustamente preterido à suposta profundidade solitária do pensamento que guardamos apenas para nós? Não que não considere importante que certas coisas sejam apenas nossas e que lidemos com elas a sós. Mas a afirmação gratuita da superficilidade não é de uma terrível arrogância? Ultimamente tenho ouvido muito este termo: superficialidade. 
Gostava de saber que raio de petulância galopante passa por certas cabecinhas para usar este termo tão levianamente. E de que estrela cairam para se considerarem tão superiores ao comum dos mortais? Não terão o arrepio da pele e o frio de estomâgo que o comum dos mortais tem perante o confronto com os seus medos...? Se ser superficial é ser-se pela rama, raso, pouco profundo, o desafio para ir além das aparências e de se aprofundar a si mesmo não será o de nos confrontarmos com o nosso próprio receio de que os outros nos vejam afinal como somos...?
Se bem que segundo os estudiosos do tema do conhecimento e da ontologia isso seja impossível, porque afinal somos mesmo uma cambada de superficiais, de númenos inatingíveis - sim, todos nós, sem excepção! - que apenas luzem do fundo da caverna como sombras aos olhos do observador, observador este que também vive na caverna, isto só para nos deixar ainda mais às aranhas! Mas parece que há alguns que se aproximam um pouco mais da saída que outros e reflectem melhor a luz e não me parece que sejam os que se escondem de novo lá dentro.
Disse.

P.S. Afinal ainda não disse. O que a foto escolhida (e não, não é apenas uma foto "gira") me evoca e que não costumo colocar por palavras: uma certa menina que não sabia dançar, sentir, expôr, mostrar. Uma menina que aprendeu a fazê-lo por outras mãos, outros passos, dados, ofertados, por apenas apetecer. Por apenas querer dançar sem corpo, em partilha alada. Um ser fugídio de sombras e humor inconstante que se metaforseou em presença luminosa e em riso cristalino...

1 comentários:

Anonymous said...

Eu achei isto demasiado profundo, digo-te já! Ainda estou em recuperação. Mas achei muito bem dito. Muito fora do sentido comum de superficialidade e muito à frente. De facto, a inversão que muitos julgam fazer ao aprofundar-se recolhendo (boa palavra) a si numa introspecção intelectualista aparente e para "inglês ver" é na prática uma forma, essa sim superficial, de se esconderem dos seus próprios fantasmas e medos. E sobretudo de os esconder dos outros.
Todos temos essa necessidade de vez em quando. Mas está bem visto sim senhora Marisa. É a filósofa em ti!
Jokas!

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