Other streets

Monday, April 10, 2006 | 0 Comments

Nalgum canto infinito que nem o pensamento conseguia encontrar havia um lago de água estagnada a empurrar os gestos. Aos poucos o próprio cabelo tinha entristecido. Vasculhava o universo com os olhos queimados como um cego trôpego a quem tinham desviado o fio do caminho que leva a casa. Esperava com os dedos pregados nas mãos, um corpo sem extensão. Tinha desaprendido o amor e as causas e consequências dessa arte dos jovens poetas. O seu coração batia a um ritmo subterrâneo, quase imperceptível como se cada golfada de ar fosse timidamente roubada de pulmões mais nobres.

"Quanto?" "É para quê?" "Quanto tempo?" "Entre querida."
Nunca falavam mais do que o necessário.
Nunca mais outra palavra escorreria porque falar era confluência e intimidade e aquele amor era frio e profundo como a dentada de um cão numa noite gelada. Nem sempre fora assim, mas os rios também secam deixando apenas leitos secos e encarquilhados. Debaixo da pele, mais pele, sem calor nem fôlego, apenas um bicho estranho, crispado, de dentes arreganhados. Tentava acreditar no tempo para alcançar um nível mundando mais satisfatório. Olhava as cortinas ao fundo do quarto, numa ondulante palidez e esperava. Por detrás do rosto a mistura de todas as coisas incompletas. Vinte minutos, apenas vinte minutos sem voz. Depois uma pausa na trincheira. Vestir a roupa, fumar um cigarro, passar o baton nos lábios. Todos os soldados rezam em silêncio para voltar a casa, mas ela não sabia rezar nos intervalos daquela guerra, não havia tempo e a vontade era uma marioneta sem fios.
Houve uma altura em que escrevia a amantes que não tinha, a amigos que nunca conhecera... escrevia não pelas palavras, mas pelo silêncio, pelo corpo do lápiz sempre dócil, pelo traço a carvão, pelo tempo guardado no dobrar da folha. Depois do oásis o papel tournou-se uma mortalha e deixou cair no esquecimento aquele hábito de gente. Despediu-se de cada história começada com um beijo na testa como quem adormece uma criança na eternidade e não voltou a escrever.

"Quanto?" "É para quê?" "Quanto tempo?" "Entre querida."
Preciso que me traduzam as palavras ditas. O entendimento tinha-se calcificado até não ser mais que um osso, como quem grita até a garganta envelhecer dentro da boca.

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Mei and Arawn