Eu pecador me confesso...

Thursday, June 29, 2006 | 1 Comments

Eu pecador me confesso de não ser justo nem puro, nem perfeito na minha condição de humilde e insurrecta criação de intelectual de esquerda com a mania filantrópica do bem estar alheio, eu pecador me confesso de me rir quando tenho vontade e de me esforçar por partilhar com os outros essa maquiavélica perversa libertação dos males e dores de que devia estoicamente padecer, eu pecador me confesso do hediondo crime de apreciar a beleza e de tentar com ela os outros, de ter orgulho no meu trabalho e de não me vergar chorosamente ao seu jugo como um boi que ara a terra, de ter fome e satisfazer a minha fome, de ter sede e satisfazer a minha sede, bem como de satisfazer todos as meus caprichos hedonistas, eu pecador me confesso de não me empanturrar com gordurosas patuscadas para acarinhar um traseiro anafado que sirva de almofada à pândega nocturna em frente ao televisor, de ter fedelhos guinchantes que herdem o meu feudo decadente, de não chafurdar no romantismo cego dos impulsos do bom selvagem e de reflectir nas minhas escolhas pragramatica e sensatamente, eu pecador me confesso de nao me mutilar pesarosamente de sílicio e chibata com a minha culpa e de erguer o rosto à procura de soluções para as minhas falhas, de não pagar promessas de joelhos do Cú de Judas (que para vossa informação existe ali para os lados da Arrábida) a Fátima e em vez disso ir à luta, de não arrotar alto os meus ideais para todos os confrades, de não acreditar em astrologia, mezinhas, macumba, pai de santo, mau olhado e querer construir eu própria o meu destino, eu pecador me confesso de amar o próximo sem lhe mendigar uma esmola por ser da família, sem lhe julgar os sapatos porque passaram de moda, sem o humilhar para o ajudar a formar caracter, sem o criticar viperinamente na sua ausência para me integrar com a "malta", sem duvidar mesmo sem provas fidedignas de que seja merecedor, sem condições contratuais que inviabilizem a perda de um investimento e confiança...
.... assim, pecador, diante, de vós me ajoelho não para vossa absolvissão, nem para me admitir em remissão de pecados, mas para declarar que se apenas dos justos e dos pobres de espírito é o Reino dos Céus, me chega muito bem o meu palmo de terra e a tasca do David que tem uns petiscos porreiros para a maltinha terminar o dia bem disposta.

1 comentários:

Olavo said...

Eu pecador, me junto e me confesso, por ler tudo isto absurdamente deliciado. Eu pecador, me junto e me confesso, por me identificar de forma surreal com tudo o que aqui está escrito e fundamentamente com a ideia que está por tras. Eu pecador, me junto e me confesso, visto que agora vou daqui até a tal tasquinha, comer os tais petiscos, com o tal David, que a nós se juntará e confessará qualquer coisa de surpreendentemente bom...

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