a leveza e o riso

Friday, November 10, 2006 | 2 Comments

sem máscaras e sem roupa nem crosta dura, a pele exposta, a carne crua das primeiras horas de vida. os gestos tantas vezes ensaiados afinal ficam fora do guião, poses de espelho. o reflexo das palavras que projecto no néon. estilhaços, cacos, ecos, distorções, as várias vozes que me habitam deixo-as estar, não convém acordar os loucos. se páro os dedos queixam-se e eu não gosto que se queixem, dói-me o peito e é escusado. o resto é pouco, é-me indiferente. há muito tempo que perdi a expressão alargada do meu rosto, olhos em arco, as faces pálidas. A mesma pele que me serve serve às outras. tenho um nome, o mesmo nome para todas as que me habitam. da substância, porém, não sei dizer. não somos todas da mesma.
ainda posso permanecer. mudar de ideias, fazer-te rir. deitar-me, dormir, escrever sem pensar, inventar personagens que depois posso enfiar outra vez dentro da boca como trapos moles dentro de um saco, posso ser tudo o que pedires, se nunca fui eu, não posso trair uma verdade, convidar o Pedro para beber um copo de letras, sair com o Gonçalo, telefonar à Joana. apenas passar depressa pelas estações, nunca permanecer, nunca aquecer o chão de nenhum lugar, partilhar calculado, retalhar apenas os tecidos e os olhos, mas deixar lá dentro a salvo o coração, a mão estendida sempre, rasgar de cada fibra da tecitura.
do meu minúsculo manicómio de ficção, onde os delírios são tumores benignos, a delirante marcha dos meus dedos sobre as teclas rasga no ecrã uma série de comuns e banais insanidades. há loucos preparados para se esvairem em dor. loucos compulsivos com a tara a latejar-lhes na cabeça.loucos extravagantes com atrozes fantasias a que chama sonhos. loucos com a paranóia do medo com heranças sucessivas de maus tratos onde o exílio da paz ditou a guerra para espanto do amor. cenários onde o sangue escorre para as ruas. vermelho, ainda vivo, de luto. onde alguém já foi feliz antes dos os gritos das crianças num presságio de abandono do colo vazio das mães gerando a contracção do pranto, o desconsolo ou, simplesmente, o desamor. a loucura que anda à solta tem a cor da nossa pele e um coração igual ao nosso a pulsar-lhe nas entranhas. também respira, come e dorme.
E a ti? Depois disto tudo, continua a apetecer-te a leveza e o riso?
Se quiseres,
posso escrever.

2 comentários:

alma-em-4-corpos said...

Gostei tanto ,e, identifiquei-me tanto com este texto que gostava de ter sido eu a escreve-lo.

Bjs da outra borboleta

João said...

Fiz uma visita pra conhecer o teu cantinho...e confesso...amei...adorei...voltarei mais vezes pra ler tudo...desejo-te um lindo e maravilhoso dia pra ti e deixo bjos.
Passa no meu.
Beijinhos

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