Friday, January 20, 2006 | 0 Comments


Hoje o meu despertar foi novo e feito de coisas simples. Acordei enrolada nos lençóis como sempre. Esperguiçei-me longamente e deixei-me ficar deitada a ouvir a chuva cair lá fora por breves momentos, eram bátegas fortes e rijas. Olhei para o lado. Senti-me feliz por ver um rosto querido, lamentei ter de me levantar logo e não ter tempo para arrancar algumas linhas à respiração silenciosa do quarto. Nessa altura desembrulhei entre os joelhos uma prenda doce: a tua oferta de me vires levar. Sorri. Tinhas os olhos semicerrados e uma e languidez doce. Lembrei-me que foi exactamente por te achar extremamente bela adormecida que te achei uma princesa encantada fugida às páginas de um conta de fadas.

Tinha a tua gatinha à minha espera na casa de banho, olhava para mim existentemente e rodopiava sobre si como uma bailarina russa. Peguei nela ao colo com todo o cuidado. Quando começamos a descer as escadas senti-a contrair-se apertei-a mais contra o peito e medi cuidadosamente o passo. Pu-la na casa de banho de baixo sã e salva junto a um pratinho de comida acabadinho de servir. Não sorriu, mas seguiu-me o resto do tempo saltitante nas suas pantufinhas e e rebolou-se de barriguinha para o ar que na nossa linguagem vale bem um sorriso.

Procurei entre a tua roupa uma blusinha mais quente e um bonezinho para me proteger da chuva. Fechei a porta atrás de mim com um bom dia sussurrado para as duas gatinhas da casa.

Pus pelos ombros a tua prenda a proteger-me da chuva. Há capas estranhas a servirem de agasalho, a minha era espessa e quente, feita de dádiva genuina. Não me importei que chuvesse.

Desci a rua. Procurei uma paragem. Perguntei ao motorista qual a melhor ligação ao metro ou ao comboio. A resposta veio entre dentes. Senti-me um pouco desanimada. Uma sra logo meteu conversa a explicar-me as melhores alternativas, a ela juntou-se um sr. e estiveram ali em amena discussão sobre paragens até sair um "fillha, o melhor é saires no jardim de S. Paulo". Foi o que fiz. Sai no jardim de S. Paulo que de jardim tem apenas algumas árvores junto à estrada. O resto é uma calçada lavada pela chuva e pelo trote dos transeuntes que saiem dos autocarros qual gazela em debandada para apanharem o metro no Cais do Sodré. Caminhei devagar. A chuva caia. Atravessei a estrada. Abeirei-me do rio. Estava revolto e movia-se numa liquidez densa, misteriosa e cheia de luz. O cacilheiro derramou sobre o cais uma inundação de chapéus de chuva multicores. De repente fez-se um arco-iris mesmo ali no meio do betão cinzento. Começou a chover com mais força. Apertei com mais força a capa invisível junto ao pescoço. Pendurei-lhe numa ponta um pedaço do arco-iris e enfiei-me no metro a dedilhar essa imagem.

Gente muita gente. Paragens. Linhas. Encontrões. Roçar de casacos. Pedidos de desculpa. Mais encontrões. Pedidos de desculpa rosnados. Gente muita gente a caminho. Uns com trajecto outros à deriva.

Cheguei. Cheguei com o sorriso coado a pequenas gotas, com o colo cheio de fragmentos de uma aventura, de um caminho novo. A tua capa deixei-a ficar. Agora com uma caneca de chá entre os dedos tirei-a, dobrei-a e fiz dela o giz destas palavras.

Chihiro

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