Medo

Friday, January 20, 2006 | 0 Comments


A cidade é só minha. Há um sussurro que se esconde em cada sombra e em cada gesto suspenso. Pediste-me que te escrevesse e eu escrevo sabendo que tu hoje tens certamente mais histórias para contar do que eu. Olho pela janela a noite é mais noite quando a observamos em silêncio como se estivesse exposta numa montra.
Hoje vesti uma blusa vermelha com brilhantes. Gosto do facto de a cada movimento se despegarem de mim dezenas de pequenas particulas cintilantes, é como se me desintegrasse em pó de estrela.
Sou apenas este rasto perdido na passagem de mim e tantos outros cruzar de es-passos.
Tenho frio e não consigo aquecer as mãos, por mais chás que beba o sensação de calor perde-se.
Penso no tuperware, não sei se o terás encontrado. Não sei muito bem o quer dizer que perdemos algo, ou que algo se perdeu de nós. Não sei se o contrário de perder é encontrar porque o que encontramos nunca tem a mesma importância de quando está perdido.
Bato nas teclas como se houvesse alguma importância ou urgência nestas palavras, mas nenhuma palavra é urgente. Há um tiquetaquear neste compasso, um acerto e desacerto de qualquer coisa. Ajusto-me. Procuro-me como uma criança procura alinhar todas as cores num cubo mágico, eu nunca consegui essa proeza. Antes perdia-me nos parques de estacionamento porque achava que eram todos iguais, agora perco-me no caminho para a minha cama. Deviam haver carris para estes percursos. Agora percebo porque é que de vez enquando há gente que cai na linha, no metro, é que tudo se emaranha neste vai que vem dos dias e das horas e dos caminhos que temos de seguir e dos que temos de inventar. Deviamos ter o faro dos cães.
As pedras que apanho na calçada não me matam a fome, ainda não amadureceram e são ingestas.
Tenho a alma rota nos cotovelos como aquelas camisas que à força de as usarmos depois de nos terem deixado de servir, se acabam por romper à força dos ossos que comprimem.

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