Âncoras

Thursday, September 21, 2006 | 0 Comments

Não me lembro de nenhum momento de extrema solidão na minha vida, em que estivesse completa e desoladamente só. Não sei sequer a que é que isso poderá corresponder. Esse sentimento de absoluto e inevitável silêncio. O não nos termos sequer a nós por companhia. Será isso? Não o sei. Sempre tive pequenas bóias de navegação. Outras vezes maiores. A disciplina da minha mãe, a compreensão do meu pai, o carinho da minha ama. Os meus amigos, os meus livros, os meus desenhos que sempre completaram os meus traços e depois veio o Miguel que parece que é parte das minhas veias há tanto. Sempre tive âncoras. Ou se calhar era só eu que as via, não sei. Sempre tive esse optimismo cego de achar que "tudo se resolve", que hei-de conseguir lá chegar. Seja isso onde quer que seja. Mesmo nos momentos de quebra, não sei bem como, sempre me senti suspensa. Como fios invisíveis de cordas, como as notas das músicas que se prendem umas às outras, como as letras que formam as palavras e que seguram as coisas a que pertencem.
Das dúvidas que assolaram a minha vigília sobre o mundo aos sonhos que persigo como candeias de orientação, sempre resultaram passos, trémulos às vezes, valentes noutras. Tantas vezes às avessas, na linha de trás do pano. Tantas vezes o adeus, que nem gosto de dizer. Tantas vezes a imagem de caras de quem gosto e que já não caminham os meus dias. Não sei o que fazer dos caminhos perdidos, nem dos outros nem dos meus. Nunca os vi. Se os vi não me dei conta. Passaram por entre os espaços da rede da minha memória. Costumo dizer que tenho memória selectiva. Acho que quanto mais me convenço disso mais selectiva ela se torna, por empatia. Para meu bem, suponho. Para nosso. Se não me lembro também não faz mal, é porque não deveria ser importante, pois do importante lembro-me de tudo. Deve ser suposto ser assim. O que me prende à vida é respirarem tantas vezes por mim.

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