Palavreando

Friday, September 15, 2006 | 1 Comments

Hoje apetece-me "a-palavrar-vos".
"Arco-íris" é linda, leve, luminosa e tem um som maravilhoso. "Erva cidreira", "adágio", "amígdalas", "serenata" e "morango" também são bonitas. Os astros em geral têm uns bons nomes: "Terra", "Júpiter", "Vénus", "Urano"... e "Sol" e "Lua" que, com os seus nomes curtos e definitivos, formam um casal especial. Carregam esse simbolismo de masculino-feminino e não só resistem ao tempo, como são usados para medir a passagem dele. As cores também foram bem baptizadas. "Azul", "lilás", "preto", "branco", "verde". Até "vermelho" que é uma palavra forte e agressiva, combina com a cor que representa. Só tenho dúvidas em relação ao "amarelo". Sempre achei que merecia um nome melhor. Certas palavras não é que sejam bonitas, mas são simpáticas. É o caso de "pipoca", "camelo", "bolota", "caneca", "galocha" e "chupeta". Algumas são quase boas, mas parece que têm um "r" no lugar errado: "crocodilo", "lagartixa". Outras têm um "r" a mais: "próprio" e "frustrado".
Há palavras pequenas muito bem construídas como "bola", "tatu", "aço", "raio", "coco", "uva". Há outras que são compridas, mas bem equilibradas: "paralelepípedo", "sonoplastia", "velocidade", "dicionário", "caleidoscópio", "literatura", "pirilampo". E há as de tamanho médio que formam a base de nossa agradável língua: "selvagem", "primavera", "órbita", "hortelã", "liberdade", "perímetro", "lágrima", "destino", "pigmento".
O corpo humano tem palavras lindas para compensar outras que não quero nem citar. "Boca", "pernas", "dedos", "olhos", "cabelos", "lábios". São todos lindos, especialmente os do corpo feminino. Alguns verbos são bonitos e fáceis de praticar: "saborear", "espreguiçar", "cantar", "seduzir", "envolver", "esquecer". Já o verbo "amar" é simples e directo, mas tão difícil de ser dito e realizado.
Depois há aquelas palavras interessantes que são desperdiçadas em papéis menores: "meretriz", "coliformes", "migalhas". Outras são confusas como "guarda-chuva". "Guarda-roupa" faz sentido, mas "guarda-chuva"? Em espanhol diz-se "paraguas", que é mais lógico. "Céu" e "paraíso" são óptimos. Já "purgatório" é muito pior do que "inferno", pelo menos no nome. Um hábito que não entendo é agradecermos dizendo "obrigado". A palavra é bonita, mas a ideia é muito má. Outra que até hoje ninguém me explicou é porque se escreve "muito" e se lê "muinto". As notas musicais são perfeitas: "dó, ré, mi, fá, sol, lá, si", mas se precisar de usar um "sustenido" ou uma "semi-fusa", a coisa desafina. "Delírio", "sonhos", "algodão", "oceano" são belas palavras fugidias. Já "fugidia" é uma palavra horrorosa. Uma detalhe fascinante na linguagem em geral são as palavras polissémicas. São vocábulos de dupla personalidade, que acumulam funções completamente diferentes. "Banco" pode servir para guardar dinheiro ou para sentar. "Manga" de camisa ou fruta. "Andar": verbo ou piso de prédio. "Piso" por sua vez pode ser também do verbo pisar. "São" do verbo ser ou de santo. E mais: "nó", "salto", "canto", etc. Lewis Carrol brinca com maestria esse jogo de significados em Alice no País das Maravilhas.
A criação de novas palavras realiza a evolução de uma língua. Eu, por exemplo, estou há dias a cantarolar uma palavrinha simpática que o Nuno Markl inventou, "catitividade" e até já disse à minha colega bloguista Kátia que vou passar a chamar-lhe "Catita" pela tão elevada taxa de "catitividade" que ela tem. As gírias também são renovadoras. Uma palavra que hoje tá na rua, na boca do povo, amanhã pode estar num romance ou até num discurso de posse de uma alta patente do estado. Ah pois é. E esta hem?

1 comentários:

Anonymous said...

Provavelmente já o sabes, mas obrigado e obrigada, vem de que após um favor, sinto a obrigação de retribuir por isso digo fico obrigado a .... , outro ser humano do sexo oposto diz que fica obrigada a... penso que não estou a dar-te nenhuma novidade.
O teu belo texto fez-me pensar, na riqueza da nossa lingua. Afonso X Imperador de Castela e Leão com o cognome de "o sábio" (avô do nosso D. Dinis), utilizava o galaico-português para escrever cantigas de amigo.
Já pensaste nos termos poéticos da nossa lingua. Não dizemos um vulgar "claire de lune", ou "moonlight". Luz da lua não faria sentido numa linguagem poética como a nossa e assim dizemos simplesmente "luar", ou ermo. "Local isolado" sempre fica melhor no Correio da Manhã que num poema. Já não falo em outros termos tão específicos como "saudade". Não é que os outros não a sintam, mas só nós soubemos dar-lhe um significado único no que se refere à palavra escrita.
Carlos que já conheces.

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