Cobertor quente II

Wednesday, August 16, 2006 | 0 Comments

Foi para aquecer as tuas mãos
que me despi
foi para fazer do meu corpo novo chão
que morri
foram tantas as vezes que falhei
mais ainda os caminhos que nem tentei
Eram tantas as palavras a nascer
e a boca tão pequena para as conter
E assim andei para trás na memória
aqui parei a contar-te uma história...

acordei com as bategas fortes da chuva na vidraça e com o frio a entrar junto as costas,num corredor estreito entre a t-shirt e a toalha de praia. é agosto e chove com a força de dezembro. ainda ontem mastigava o fumo dos fogos e o calor como uma mortalha. o tempo é incerto como os dias. a casa é grande e silenciosa como um grande elefante adormecido. lavei a cara com agua fria a cortar-me os dedos. vesti uma roupa leve. trinquei uma maçã. li. peguei numa caneta e escrevi um postal. tenho um vicio por esses artecfactos que nos ficam e nos recebem como braços.escrevi um breve comentário de passagem a recordar uma açorda quente partilhada a beira de um mar nocturo escondido do olhar mas imenso ali entre nós. abri a internet que é como quem diz que pega no megafone e se anuncia em alarido. procurei a torneira do gaz e deixei o esquentador engasgar-se com o inesperado trabalhar do estomago desacostumado. todos os triunfos sao grandes quando se está assim em estranhas terras. a agua quente fumegou e eu sorri. saí a pé. dei a volta ao largo.sentei-me tímida no café perante os olhares inquisidores. estendi o meu melhor sorriso como quem estende uma passadeira vermelha e pedi um galao e um croissant quente de chocolate. comi a ver uma novela estranha que me fez lembrar pinnypons esquizofrénicos,uma tal floribela que deixa miudos e graudos com o mesmo olhar pasmo das vacas nos prados. paguei e perguntei onde podia colocar o anuncio. foi o primeiro de muitos que espalhei e que a cidade viu nascer como cogumelos nas vitrines. passei por todas as ruas. as gotas grossas a escorrerem pelo rosto. a camisa preta colada a pele. o cheiro a bolos no ar a misturar-se com os dos queijos. gente muita gente de chapeu de chuva aberto. uma confusao de linguas misturada exoticamente na massa de bola doce. postais. mais postais. aqui é bem fácil fazer chegar aí este pedaço de terra e passado. escolho um que fala de um arco de cavaleiros por achar que nós somos meio artureanos na nossa audácia, no nosso arrojo e na maneira como lutamos ao lado e por aqueles que amamos.precisei de ti ali comigo rua de calçada acima no recorte da pedra desta babel improvisada por isso liguei-te e deixei que a tua voz escreve por mim as palavras a selar rapidinho para sair as 18h.há aqui muitas rotundas como se os homens revolvessem sobre si antes de escolher direcção. a camisa começa a empapar nas mangas e torna-se desconfortavel sentar na cadeira, por isso espraio-me em todos os balcões meio perdida em pensamentos forçando-me a sorrir sempre, a falar, a perguntar, a entregar de mão em mão a minha fragilidade. de que matéria seremos feitos, se de matéria tão diferentes somos. paro numa florista está lá a familia inteira. o rapaz moreno de olhos verdes fato preto pouco adequado ao seu corpo esguio conta-me a historia do seu patrão anterior que tinha sido agente imobiliário. o pai e a mae lamentam nao poder mudar de casa para me ajudar. falamos numa simpatia e familiaridade desusada entre estranhos. saio para a chuva. o rapaz moreno de olhos verdes segue-me e para-me diz que quer apenas saber o meu nome, respondo-lhe com vontade de lhe dar um nome lustroso e cantante, mas dou apenas o meu que já de tão usado quase nem corpo tem e do pouco corpo que lhe resta ainda o sovo para que seja capaz de ter sombra e hálito nas bocas dos que o balbuciam. ligo o calor no máximo assim que chego ao carro. oiço um cd que trouxe aí de casa e me acalma por dentro e me aquece e de repente robustas e viçosas como mulheres beirãs as memórias vão chegando espessas como chavenas de chocolate quente a fumegar à lareira. navego pelas estradas transbordantes sem destino, apenas experimentando aquele sem fim de saídas de rotundas e de placas indicando outras direcções. nunca percebi porque é que me perco sempre se querendo outras direcções aquelas nunca servem. estaciono. há um miado familiar que me segreda que é a morada certa. entro. pego ao colo no meu gato e deixo-o ronronar junto ao peito.ponho a água do banho a correr quente. tão quente que quase me deixo queimar para sentir de novo as pontas dos dedos. passo pelo pc à procura de um calor que encha como a maré cheia invade as praias. tenho a sensação que deixaste aberta uma página do teu diário aqui. sorrio por o teres deixado. gostava que me tivesses contado algo que eu fosse capaz de partilhar e não de hoje onde o tempo me excluiu de pertencer a toda a parte. dei por mim a desejar que tivesses escrito algo que eu provavelmente teria escrito e foi nesse instante que fiquei feliz por teres escrito apenas fosse o que fosse era essa a tua dádiva a minha foi ter desfeito um bocadinho de imperfeição.
Já te disse que o título me lembra Calvin & Hobbes?

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Mei and Arawn