Aos domingos levantava-me muito cedo e deslizava de pézinhos descalços pelo corredor até ao quarto dos meus pais e a minha mãe segredava baixinho " O pai está muito cansado (ele fazia turnos e acumulava vários "trabalhos") e precisa de dormir mais um bocadinho". Levantava os lencóis com várias camadas de cobertores macios e pesados e deixava-me dormir ali um bocadinho no meio deles. Lembro-me que às vezes não dormia, ficava simplesmente ali, como se fosse o último refúgio de tranquilidade no planeta.
Por vezes acordava muito cedo e ficava em silêncio a fazer legos na sala. Tinha todo o tempo do mundo e podia construir tudo antes de todos acordarem. Também gostava de desenhar. Adorava quando me ofereciam lápis e canetas novos. Embora soubesse que as cores eram as mesmas, um conjunto novo de lápis de côr sempre exerceu um grande fascínio em mim. Ainda continua a fazer. Vá-se lá explicar porquê. Material de papelaria novo, sejam lápis, canetas, papeis ou blocos, sempre exerceram em mim o efeito de "mundo novinho em folha" a descobrir.
Uma folha nova para começar tudo, um desenho para modificar e dar nova vida. Assim continua a ser. Acabei de almoçar e estivemos à conversa de como iriamos re-organizar o escritório/biblioteca lá de casa e conciliar com isso todos os instrumentos de música e os meus quadros e respectivo material de pintura. Os livros, as estantes, o cheiro das tintas, o pó do pastel, as telas. A bateria, as guitarras, os sintetizadores. As coisas que têm a nossa história dentro. E tudo isto porque abri um caderno antigo e uns postalinhos que vou coleccionando daqueles que me querem bem. Gosto de ter isso tudo perto de mim, seja em casa ou na empresa. Lembram-me quem sou e de quem gosto para além das convenções, diplomacias e reuniões de blazer e saia a condizer.
São como cobertores quentinhos que aquecem por dentro, que evocam serões calmos com lenha a crepitar, a mantinha no colo, a cabeça enroscada no teu ombro, as palavras derramadas em riso morno.
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