A menina amarela não gostava de ir para casa e chorava muitas lágrimas cor de girassol quando tinha de voltar. A sua casa era frigorifica com paredes dentro. Os sorrisos e os sonhos ficavam no tapete da entrada ao limpar dos pés.
Sentia-se desfazer como se fosse feita de areia fininha, em todos aqueles finais de dia. O pai da menina amarela não era muito alto, tinha um olhar parado como o dos cavalos doentes, que por vezes se acendia em momentos de fúria e ódio incendiados por um hálito a drogas e alcool. Nessa altura ela encolhia-se muito como se quisesse transforma-se numa casquinha de noz e tentava passar despercebida debaixo de uma cadeira ou armário. Era sempre encontrada, sabia que era uma questão de tempo. Nessa altura olhava sempre pela janela fora com o olhar agarrado ao ponto mais longínquo do horizonte enquanto o corpo fendia e o sabor a sangue se dissolvia na boca. Às vezes os vidros da janela partiam-se ou os do loiceiro e ela fintava-os como se lhe segredassem baixinho uma resposta.
Não havia palavras entre ninguém, apenas um mastigar rancoroso das frustações. A menina amarela fingia-se sempre muito triste para não ser castigada, mas esse era já o seu maior castigo porque aquela tristeza entranhava-se como uma nódoa difícil de tirar.
Lembrava-se pouco da sua mãe transparente, cara pálida como os espectros. Lembrava-se dela correr de trabalho em trabalho como o coelho da Alice no País das Maravilhas, dos gritos altos, dos gestos a bisturi. Lembrava-se dela a arranjar comida de cão para o jantar, a desfazer as vísceras, o cheiro gorduroso da fervura, a nausea, o prato cheio, a ânsia de sair dali, o vómito, o olhar colérico na outra ponta da mesa, o choro, a colher a levar à boca o vómito e o soluço, o desespero de engolir até as próprias entranhas.
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