Por aqui não temos castas, mas temos os mesmos reféns do ciclo de miséria material ou espiritual, ou ambas, em que nascem e vivem. Alguns tentam, outros nem se dão ao trabalho. Reconhecemo-los pela forma como falam, como andam, como se vestem, penteiam. A partir do momento em que saímos de casa cruzamo-nos com essa casta. Alguns trabalham - Não é com orgulho, que bem preferiam fica a escarrar ódio ao governo e aos outros, os que nasceram com sorte - Trabalham nos cemitérios a enterrar e desenterrar corpos, na limpeza das ruas e das lojas, nas escolas, na recolha do lixo, nos hospitais, nos canis do estado e nos matadouros, nos campos, nas fábricas. Creio que estejam todos mortos. Creio que trabalhem como robots, que sejam robots fora do trabalho. A vida parece ser-lhes muito pesada. Roçam-se pelas esquinas das tabernas, e gastam tinta a tinta às cadeiras, anoitecem nos bancos de jardim, compram actrizitas baratas que lhes massagem o ego e o sexo caído, batem nas mulheres e nos filhos, adormecem em vergas de silêncio em tugúrios.
Para um miserável nacional, qualquer outro que venha do estrangeiro para trabalhar e ganhar dinheiro no que ele recusa fazer, é mais miserável do que ele. Os miseráveis verdadeiros não gostam dos que consideram miseráveis. Nem de ninguém. Consideram-se uma casta de sangue nobre, iluminada pelo conhecimento divino da miséria e do martírio, da bebedeira e da grosseria. Chateia-os que alguém faça o trabalho sujo e tão mal pago a que poderiam aceder. Porque os têm direitos. O primeiro deles é não ser miseráveis. Mas não é que façam por ser outra coisa qualquer. O seu sonho era que lhes saísse o Euromilhões para não trabalharem. Aí é que era! É que este país ia para a frente! (não se sabe é onde é que isso seria) Ouço-os a dizer isto sentados no snack-taberna, bebendo cervejas e ruminando toresmos, de fato-de-treino, enchotando à lambada os putos ranhosos como se fossem moscas, à terça à tarde... e à segunda, à quarta, à quinta, à sexta e ao sábado. É a sua única ocupação conhecida. O café. A amarguinha. A mine. O penalty. Ao domigo veste o melhor fato puído e arrasta a sua espectoração crónica à missa, para remissão dos pecados e um almoceco à borla servido no fim. Já tentaram quase todos abandonar a vocação de crentes, mas não encontraram em mais lado nenhum os periados e a caridadezinha que lhes dá tanto jeito. Os miseráveis mais batidos nas repartições e mini formação em segurança social vivem do rendimento mínimo, dos abonos dos filhos e do cão pulguento e ainda conseguem sanguesugar alguma instituição de caridade.
Não sei se existe grande paralelo entre os miseráveis da Índia e os miseráveis ocidentais. Na Índia sei que se envergonham um bocado, e procuram trabalho para conseguir comer aqui o peixe fritismo exala nos bairros de lata com carros tunnados parados à porta.
Um miserável tem o seu orgulho e é verdade que pode ter um casita mal apanhada da câmara e comer postas de ranço ao jantar, mas tem de ter o seu cordão de ouro, o carrinho para másculas rotações e a renda para os cigarros lhe cairem do beiço de boi manso.
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