Uma vidinha atinada

Wednesday, July 05, 2006 | 0 Comments

tão jeitosinha que ela era. tão boa rapariga. nunca deu dores de cabeça aos pais. chegou sempre a horas a casa. era para a melhor aluna da turma. limpava a casa aos sábados de manhã e à tarde ajudava os padrinhos nas contas da casa e lia à tia octogenária a carta dos filhos emigrados em frança. empregou-se e comprou logo uma casinha (apartamento) muito jeitosinha, assim como ela, nos subúrbios ajardinados da cidade. era assídua e pontual em educado silêncio. tinha duas contas no banco – numa depositava o cheque do ordenado e orientava-se para, na outra conta, depositar um montante certo todos os meses, o seu pé-de-meia para alguma infelicidade desta vida. era mesmo uma rapariga muito atiladinha. os vizinhos dos pais perguntavam-lhes sempre "então… ? como está a nossa Gracinha?". um moço. nem por isso mal-jeitoso. mas nada jeitosinho da vida dele. assim para o desorientadito. a Gracinha achou-lhe graça, o que se há-de fazer? as coisas do coração são assim mesmo. não se manda nos sentimentos. lamentou a possibilidade de dar um desgosto aos pais quando oficializou que o seu coração pertencia ao moço. espantou-se da ausência de espanto dos pais. o namoro era a modos que um namoro. o moço parecia ter boas intenções a até lhe dizia que o seu coração era dela. não falava em casamento. Gracinha, por vezes, à noite, na sua cama de lençóis devidamente engomados, arriscava-se lamentar o atraso no pedido de sua mão. mas tanto que gostava do rapaz nem por isso mal-jeitoso, mas nada jeitosinho da vida dele, assim para o desorientadito, tanto, que não arriscava o tema - casamento. mais vale um pássaro na mão do que nenhum a voar. era rapaz trabalhador. tratava-a bem. almoçavam fora aos domingos. deixou-se andar e manteve-se assídua e pontual no trabalho. as contas bancárias sempre orientadinhas. lamentavelmente, um mal-fadado dia, o moço, o tal rapaz nem por isso mal-jeitoso, mas nada jeitosinho da vida dele, assim para o desorientadito, disse-lhe que seguia para a Nova Zelândia num projecto musical que não podia deixar escapar da sua existência. orientou-se à sua maneira, o moço. Gracinha, assim, viu-se sozinha, sem passarito na mão. qinda se tivesse tido um casamento e um menino para consolo. mas nem isso para entreter a existência em tricotadas roupinhas e lamentações. Gracinha pensou nos seus pais, eram já sexagenários. sem um amparo na velhice. despediu-se. vendeu a sua casinha (apartamento) muito jeitosinha, levantou o dinheiro da conta pé-de-meia e voltou para a vila onde nasceu. chegara o tempo de tomar conta dos papás. chegou a casa. abriu a porta com a sua chave (ainda possuía uma chave de casa dos seus pais, nunca a entregara de volta). encontrou um bilhete que dizia “Gracinha, se vieres cá a casa, deverás reparar que não estamos, fomos numa excursão às caraíbas. voltamos por altura do Natal”. Gracinha meteu-se no carro, compondo a sua camisa amarelo desmaiado. pegou no mapa e traçou o melhor caminho de regresso. ao parar nos semáforos gemeu. AVC. morreu instantaneamente. não sofreu.

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